Por: Luiz Fernando Ramos Aguiar

Sempre que o assunto é a proteção das mulheres, a esquerda reivindica o monopólio do tema, como se fossem os únicos detentores das virtudes capitais para a defesa dos direitos delas – ou, na verdade, de qualquer grupo de pessoas categorizadas como minorias. No entanto, quando é preciso passar do discurso de sinalização de virtudes para a ação prática, as realidades acabam se tornando dissonantes. Após revogar a portaria que obrigava a denúncia de estupradores, o atual governo completa dois anos ignorando a regulamentação da Lei de Violência Sexual.

A Lei 13.718, de 2018, dispõe que os crimes contra a dignidade sexual são de ação pública incondicionada. Isso significa que crimes como estupro, importunação sexual e assédio devem ser investigados mesmo que a vítima não registre uma ocorrência demonstrando sua vontade de apuração do caso. Antes da Lei de Violência Sexual, apenas a vítima podia registrar denúncias de crimes sexuais, por meio de um mecanismo jurídico chamado ação privada. Agora, quando qualquer autoridade policial se deparar com uma ocorrência dessa natureza, a investigação deve ser iniciada, mesmo que a vítima não manifeste disposição para o prosseguimento do processo. No entanto, para que a implementação da lei ocorra de forma completa, é necessária uma regulamentação federal.

A portaria, derrubada no início da gestão Lula, regulamentava os procedimentos para a realização de abortos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nos casos previstos em lei, como estupro. Nessas situações, a paciente deveria preencher um “Termo de Relato Circunstanciado”, com informações básicas que poderiam ajudar as autoridades policiais a iniciar as investigações do crime. Prontamente, as forças da esquerda protestaram, alegando que a medida dificultaria o acesso ao aborto para meninas e mulheres. Ou seja, para eles, mais importante que investigar o crime e colocar o estuprador atrás das grades é garantir que as crianças, ainda no ventre, sejam mortas. Ou, como preferem dizer de forma eufemística, realizar a interrupção da gestação.

Além de estabelecer procedimentos que poderiam garantir a autenticidade e a preservação de vestígios do estupro, com realização de anamnese, exames físicos e outros procedimentos. A portaria revogada pelo governo poderia evitar que pessoas que desejavam realizar um aborto, sem o preenchimento dos requisitos legais, pudessem usar a brecha legal para obrigar profissionais da saúde à realização do procedimento.

Extrapolando as questões que envolvem o aborto, a portaria fornecia ferramentas importantes para a proteção de mulheres vítimas de violência sexual. Os protocolos estabelecidos pela regulamentação forneciam base para que as denúncias realizadas no SUS fossem fundamentadas em indícios, de forma a validar a palavra da vítima e seu estado psicológico como razões suficientes para o início de um processo de proteção e investigação do crime ocorrido.

Apesar de o atual governo considerar o tema da violência contra a mulher como um dos mais importantes para sua gestão, nenhum avanço foi alcançado nessa área. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, o número de estupros, incluindo o estupro de vulnerável, cresceu 5,3%, totalizando 72.454 vítimas em 2023. O crime de exploração sexual também apresentou aumento significativo, com registros mais elevados em 2023 em comparação a 2022, especialmente entre vítimas de 12 a 15 anos. A taxa de estupros subiu de 38,8 por 100 mil habitantes em 2022 para 41,4 em 2023, indicando um aumento de 6,5%.[1] E dados os problemas de subnotificações relacionados a esta modalidade de crime a situação podem ser ainda piores do que os números mostram.

A regulamentação da Lei Lei 13.718, de 2018, poderia ter estabelecido procedimentos que ofereceriam alguma forma de proteção as mulheres, mesmo que elas tivessem receio de oferecer denúncias. Fornecendo aos profissionais de saúde e de segurança pública os mecanismos para iniciar investigações e fornecer as vítimas alguma forma de proteção, como medidas protetivas ou acesso as casas de proteção as mulheres.

Uma legislação que poderia ser utilizada como parâmetro para a melhora nas condições de proteção às mulheres é a Lei Maria da Penha. Antes de sua promulgação, os casos de violência doméstica dependiam da vontade da vítima para que as investigações tivessem continuidade, ou seja, eram considerados crimes de ação pública condicionada. A lei possibilitou que as autoridades policiais iniciassem a investigação para responsabilizar os agressores, mesmo que as vítimas não quisessem formalizar uma denúncia ou, por algum motivo, fizessem uma retratação.

Antes da implementação da lei, era comum que as mulheres desistissem de dar prosseguimento à representação ainda na delegacia, muitas vezes por medo de represálias do agressor. Isso impedia que o Estado oferecesse alguma forma de proteção às mulheres agredidas, ao mesmo tempo em que dificultava ações policiais e jurídicas para a punição dos criminosos.

O desprezo do atual governo pela regulamentação da Lei de Violência Sexual escancara a postura hipócrita daqueles que não hesitam em realizar pronunciamentos, manifestos e atos públicos em defesa das mulheres. Sempre com manifestações estridentes e verborrágicas, que servem apenas para sinalizar uma postura virtuosa e afagar os ouvidos de uma audiência cativa, ávida por celebrar discursos e replicá-los nas redes sociais ou em debates acadêmicos.

No entanto, quando se faz necessária uma ação efetiva e prática, que não requer grande esforço político, como a regulamentação de uma lei, fica evidente que a proteção às mulheres não é uma verdadeira prioridade. Trata-se apenas de mais uma peça no tabuleiro do xadrez ideológico. Apresentar medidas que possam alterar o jogo significa, para eles, reduzir os movimentos daquela peça que, aprisionada pela realidade, deixa de ser um trunfo argumentativo e passa a exigir políticas e ações concretas.

Referências:


[1]Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 – https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2024/07/anuario-2024.pdf

Com informações da matéria : Governo Lula favorece estupradores ao omitir regulamentação – https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/governo-lula-favorece-estupradores/