Por: Luiz Fernando Ramos Aguiar

Após décadas de defesa de políticas lenientes com o crime, como as audiências de custódia, as saídas temporárias e as políticas de desencarceramento, o governo está percebendo o óbvio: esse tipo de medida não tem eco no coração do eleitor brasileiro. No desespero de repaginar as antigas convicções petistas para reconquistar os corações e mentes dos eleitores desiludidos, o governo tenta emplacar medidas para se descolar do consenso de que a esquerda brasileira é apaixonada pela proteção dos criminosos. Assim nasceram as atuais propostas em tramitação no Congresso Nacional, que podem ser determinantes para impactar a segurança pública no país. Não necessariamente de forma positiva.

A primeira investida do governo em se apossar da pauta do combate ao crime como parte de uma agenda prioritária foi a tentativa de assumir a paternidade da Operação Carbono Oculto, desencadeada pelo governo de São Paulo e que mobilizou mais de 1.400 policiais de oito estados, executando centenas de mandados. O ponto alto da operação foi a presença policial nos luxuosos prédios empresariais da Faria Lima, o centro financeiro do país. O sucesso da ação disparou uma verdadeira epopeia midiática dentro do governo para demonstrar protagonismo. Uma chance de mostrar que, ao contrário da crença generalizada, um governo de esquerda também estaria engajado no combate ao crime organizado. No entanto, a atuação central do Ministério Público de São Paulo, do secretário Derrite e das forças de segurança do estado acabou ofuscando a tentativa de capitulação da operação pelo governo federal.

Mas o verdadeiro desafio para o governo veio em outubro de 2025, quando foi desencadeada no Rio de Janeiro a Operação Contenção, que resultou em 117 criminosos neutralizados, 113 presos e 5 policiais tombados no cumprimento do dever. Apesar dos protestos de intelectuais, artistas e influenciadores da esquerda, a ação policial caiu nas graças da população, colocando o governo em uma sinuca de bico. Se apoiasse a operação, entraria em conflito com sua base, ao mesmo tempo que condená-la significaria se colocar em oposição à esmagadora maioria da população, que viu na ação uma resposta adequada ao domínio territorial das facções criminosas nas comunidades cariocas.

A reação do governo a esses eventos críticos não poderia ser mais típica de uma gestão socialista: ampliação da burocracia, centralização do poder e ações de propaganda. Dessa trindade progressista nasceram dois projetos incensados como a solução mágica para o problema da criminalidade no país, a PEC da Segurança Pública e o PL Antifacção.

O primeiro é um primor do engodo estatal. Sob a justificativa de melhorar a integração das forças de segurança no país, o projeto esconde sua verdadeira intenção: centralizar o controle das corporações em Brasília, diminuindo o poder decisório dos governadores. O que, à primeira vista, pode parecer um passo no sentido de organizar as políticas de combate ao crime organizado, é na verdade uma ameaça à autonomia federativa. Mas a pior consequência dessa alteração constitucional é dificultar o enfrentamento ao crime de acordo com as realidades locais, já que o projeto prevê a centralização de procedimentos e protocolos que serão determinados por burocratas em gabinetes do governo central, em Brasília.

Já o PL Antifacção veio em reação à Operação Contenção. O governo lançou um projeto que prometia intensificar as ferramentas estatais para enfrentar as facções e milícias que já dominam boa parte do território brasileiro. O que deveria ser a bala de prata governista para demonstrar comprometimento no enfrentamento da criminalidade se tornou um verdadeiro tormento após a relatoria do projeto ser concedida ao secretário de Segurança Pública de São Paulo, o deputado Guilherme Derrite. Especialista em segurança pública e com uma gestão invejável em seu estado de origem, o deputado propôs mudanças significativas ao projeto. As alterações não foram encaradas pelo governo como melhorias, mas como a tomada do protagonismo na implementação da lei por adversários políticos. Mesmo sem justificativas plausíveis, o relatório foi combatido, criticado e politizado, o que acabou diluindo medidas que efetivamente poderiam ter beneficiado as forças policiais e aprimorado o combate ao crime no Brasil. A questão deixou de ser o crime e se transformou em uma cruzada para impedir que Derrite tivesse qualquer destaque que pudesse favorecer sua imagem.

A verdade é que as desavenças narrativas e políticas impediram que ambos os projetos fossem votados em 2025, e agora precisaremos aguardar o retorno dos parlamentares de suas férias legislativas para testemunharmos alguma movimentação real no campo da segurança pública. No caso da PEC da Segurança, qualquer recuo é um avanço para o país, já que ela trará mais malefícios do que melhorias. Mas é preciso reconhecer que, mesmo diluído, o projeto antifacção trará melhorias importantes no combate ao crime organizado.

O problema é que o governo pouco se importa com a crise de criminalidade da qual a população brasileira é refém. A luta fundamental não é pela vida das pessoas, mas pela sobrevivência política da esquerda, que construiu suas bases ideológicas sobre teorias críticas de segurança pública que vendem criminosos como vítimas, apontam a pobreza e a desigualdade como principais motivadores da vida na marginalidade e ignoram a realidade. Mesmo nas comunidades mais carentes do país, a maioria das pessoas escolhe a dificuldade do trabalho duro e da vida honesta, ainda que cercadas pela tentação da vida fácil do crime. Convencer esse público de que agora houve uma mudança radical de convicções é o verdadeiro desafio para reconquistar um eleitorado importante, e postergar projetos relevantes ou propor medidas inócuas não parece ser o caminho correto.