Pesquisa do Datafolha revela o domínio crescente das facções sobre o território nacional, enquanto narrativas ideológicas moldam políticas lenientes e enfraquecem as forças policiais.
Por: Luiz Fernando Ramos Aguiar
O avanço do crime e o domínio territorial
Pesquisa recente do Datafolha1 revela o que, para a maioria dos brasileiros, já era uma realidade evidente: o crime organizado tem ampliado seu domínio sobre o território nacional. De acordo com o estudo, encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), pelo menos 19% da população afirma viver em regiões dominadas pelo crime organizado. O número representa um aumento de, pelo menos, cinco pontos percentuais em relação a 2024 — mais de 28 milhões de brasileiros vivem hoje sob o controle de facções ou milícias.
O objetivo principal do questionário foi compreender a percepção das pessoas sobre o crime organizado, roubos, agressões e golpes praticados pela internet. Para isso, foram entrevistadas 2.007 pessoas com idade a partir de 16 anos, distribuídas em 130 municípios de todas as regiões do país. A pesquisa foi realizada entre os dias 2 e 6 de junho, com margem de erro de dois pontos percentuais.
O levantamento apontou que as organizações criminosas têm atuação mais ostensiva nas grandes cidades, nas capitais e na região Nordeste, onde os índices de presença de facções e milícias se mostram mais elevados.2
Os sinais da ocupação criminosa
Outra característica das regiões sob domínio do crime organizado é a recorrência de problemas urbanos graves: 27% dos entrevistados afirmaram ter conhecimento da existência de cemitérios clandestinos, e pelo menos 40% relataram se deparar com cracolândias em seus deslocamentos diários.²
A expansão e o domínio territorial tornaram-se a estratégia preferencial das facções e milícias. O controle dos territórios e de suas populações consolida o poder sobre os elementos logísticos necessários ao transporte e comércio de drogas e permite às organizações o monopólio de outras atividades, como a venda de bebidas, combustíveis, cigarros e serviços de internet. Essas operações, geralmente conduzidas sob aparência de legalidade, ampliam os lucros das quadrilhas e são usadas como canais de lavagem de dinheiro proveniente de atividades ilícitas.
Outra fonte importante de recursos garantida pelo domínio territorial é a cobrança das chamadas “taxas de proteção”, impostas a moradores e comerciantes das áreas controladas, consolidando o poder econômico e social das facções.
Mas a opressão das facções sobre a população pode assumir contornos ainda mais dramáticos, como no episódio ocorrido em Uiraponga, vilarejo do município de Morada Nova, no Ceará. Mais de 300 famílias foram obrigadas a deixar o local após sofrerem ameaças de uma facção criminosa, transformando a comunidade em uma verdadeira cidade fantasma. Até mesmo aparelhos do Estado, como a escola municipal e o posto de saúde, tiveram suas atividades interrompidas.3
A lente ideológica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Não é possível negar que o FBSP faz um excelente trabalho quando se trata da compilação, organização e divulgação dos dados referentes à segurança pública. Mas é preciso levar em conta que as interpretações apresentadas pela instituição são fortemente carregadas por uma visão política progressista. O que não é estranho quando verificamos quais são as empresas, fundações e organizações não governamentais que dão suporte financeiro ao Fórum.
Uma breve pesquisa no site do FBSP4 mostra que grupos como a Open Society (fundada pelo globalista George Soros5), a Ford Fundation, Galo da Manhã, OAK Fundation e outras instituições e empresas ligadas a agenda progressista, são apoiadores dos projetos desenvolvidos pelo Fórum, inclusive com aportes financeiros. O comprometimento ideológico de seus apoiadores se reflete nas análises, interpretações e temas investigados pelos pesquisadores e estudiosos que trabalham para a instituição.

O viés contra as forças policiais
Para se ter uma ideia do foco da instituição, no levantamento atual realizado pelo Datafolha, um dos pontos abordados foi a percepção da população quanto à violência em abordagens policiais. O estudo revelou que 16% dos entrevistados afirmaram já ter presenciado algum tipo de abordagem considerada violenta por parte da Polícia Militar. O dado evidencia a forma como a instituição enxerga as forças policiais, especialmente as Polícias Militares, ao incluir a avaliação das abordagens policiais em uma pesquisa cujo objetivo declarado era analisar as atividades de organizações criminosas e o domínio territorial exercido por facções.
Ainda assim, o levantamento não deixou de reservar espaço para críticas à única força do Estado que, de forma ostensiva e permanente, mantém presença nas áreas dominadas. O viés é perceptível até no tipo de pergunta realizada: em nenhum momento foi avaliada a percepção da população sobre a importância da presença do policiamento ostensivo nas regiões controladas pelo crime. Ou ainda se as pessoas que residem nessas regiões anseiam por maior ou menor presença das forças de segurança nas proximidades de suas residências.
Não houve qualquer questionamento sobre a relevância das operações policiais, a necessidade de ampliação das ações ou a percepção de segurança gerada pela presença da polícia nas comunidades. De maneira ardilosa, incluíram um item que reforça a narrativa segundo a qual as Polícias Militares seriam corporações violentas que oprimem a população negra e pobre, um discurso em perfeita sintonia com os preceitos ideológicos das fundações, organizações não governamentais e empresas que financiam os projetos do Fórum.
O discurso “técnico-científico” da impunidade
No artigo publicado no site do Fórum, intitulado “Do ‘prender mais e melhor’ à normalização da barbárie nas prisões do Brasil”7, o autor Ítalo Barbosa Lima Siqueira critica a posição dos conservadores que defendem penas mais duras e argumenta que as prisões teriam um papel simbólico no aumento da violência. Ele também sustenta que, no Brasil, prende-se cada vez mais, ao mesmo tempo em que se falha em garantir segurança pública. Além disso, defende que o Estado investe continuamente na ampliação dos quadros policiais e na militarização, mas que nada disso traria resultados efetivos.
Contudo, uma análise mais fria dos fatos revela a parcialidade desse discurso. Como afirmar que o Estado brasileiro prende demais se, de acordo com levantamento do Instituto Sou da Paz8, apenas 39% dos homicídios dolosos foram elucidados no país em 2022? O número foi apresentado com otimismo, por representar uma melhora em relação aos anos anteriores, mas ainda significa que, a cada dez crimes dessa natureza, pelo menos seis permanecem impunes.
Se ampliarmos a análise para os crimes contra o patrimônio, o cenário se torna ainda mais desesperador, já que as investigações de roubos e furtos no Brasil são praticamente inexistentes.
Outra análise sem fundamento apresentada pelo autor é a de que haveria um aumento contínuo dos quadros policiais. Ao analisar os números disponíveis na pesquisa Perfil das Instituições de Segurança Pública, publicada pelo Ministério da Justiça em 2023, não apresenta evidências de crescimento nos efetivos das forças de segurança. O que se observa são apenas flutuações, sem registros de ampliações ou reduções significativas, especialmente nas Polícias Civis e Militares, que são as principais forças policiais do país. A tabela a seguir apresenta o histórico da variação dos efetivos entre 2012 e 2022:

Mesmo considerando o ano de 2023 e os dados referentes às demais forças policiais, como Guardas Civis, Polícia Rodoviária e Polícia Federal, é possível constatar que não existe qualquer estratégia de ampliação dos efetivos. Na realidade, com o contínuo crescimento populacional, o que se observa é uma defasagem cada vez maior de pessoal para a execução das atividades típicas de segurança pública. E no artigo citado nem mesmo essa realidade é apresentada.

A doutrina da tolerância com o crime
O artigo citado é apenas um entre centenas publicados no site do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, todos contribuindo para a construção de uma mentalidade de leniência com o crime e de intolerância com as polícias. Textos que classificam os policiais como profissionais violentos e preconceituosos, desqualificando o trabalho daqueles mais engajados no enfrentamento ao crime no país, seja ele comum ou organizado.
É evidente que existem problemas nas polícias, e não se deve ignorá-los. No entanto, mesmo em pesquisas e estudos voltados ao enfrentamento do crime, instituições como o FBSP não resistem à tentação de demonizar as forças policiais. Muitas vezes o fazem de forma injusta, sem dados concretos e de maneira claramente enviesada. O pior é que, em casos como o último levantamento do Datafolha, essas críticas aparecem sem qualquer conexão direta com os objetivos principais da pesquisa.
E talvez essa sanha em desenvolver na população uma mentalidade antipolícia e avessa a medidas mais duras contra criminosos seja a raiz do crescimento do poder das facções no país. Essas interpretações não permanecem restritas aos altos círculos intelectuais. Ao contrário, a força institucional de organizações como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública espalha esse tipo de narrativa, contaminando o ambiente acadêmico, jornalístico e jurídico.
Como eles se apresentam como pesquisadores acadêmicos e, atualmente, as iniciativas que se contrapõem às suas teorias são tímidas e carecem de financiadores de peso, suas versões e interpretações dos dados acabam se tornando a base para reportagens, pesquisas acadêmicas e até mesmo decisões judiciais. Passam a funcionar como uma espécie de versão oficial, utilizada na formação de profissionais que atuam nas áreas jurídica e de segurança pública. O resultado não poderia ser outro senão a aplicação, na realidade, das teorias mais contraintuitivas e ilógicas quando o assunto é o enfrentamento ao crime organizado.
O estabelecimento de políticas públicas como saídas temporárias, desencarceramento de presos, justiça restaurativa, progressão precoce de penas, manutenção de visitas íntimas e proibição de revistas pessoais só se tornou possível graças à criação de um respaldo “técnico-científico” que as validou, mesmo que, na prática, essas medidas tenham se mostrado desastrosas. Um dado relevante para analisarmos a ineficácia dessas políticas é a alta taxa de reincidência criminal no Brasil, que, de acordo com artigo publicado na Revista Brasileira de Segurança Pública,11 sugere uma média de 37,6% de reincidência no país. O dado reforça a máxima de que a impunidade é a mãe da reincidência.
A formação de uma geração ideologicamente cega
Outro efeito colateral da popularização dessas análises progressistas é a contaminação do ambiente acadêmico, o que resulta na formação de toda uma geração de profissionais que passam a replicar essas teses e a garantir que políticas alinhadas a esse tipo de pensamento se perpetuem. Assim, o ciclo de impunidade, de criminalização das forças policiais e de leniência com o crime continua assegurando ao Brasil o status de um dos países mais violentos do mundo, onde facções e milícias dominam bairros e até cidades.
O enfraquecimento e o controle das organizações criminosas não dependem apenas do fortalecimento das polícias, da criação de leis ou da melhoria do sistema carcerário. Para que a transformação seja real, é preciso formar uma comunidade de pensadores que encare o problema sem o comprometimento com causas ideológicas ou políticas. É fundamental o surgimento de uma classe de legisladores, juristas, jornalistas e profissionais de segurança capazes de formular soluções técnicas e independentes, distantes do financiamento de organismos internacionais desconectados da realidade brasileira e comprometidos com o avanço de agendas políticas.
Somente com a mudança da mentalidade dominante atual será possível reverter o caos do crime no Brasil. Enquanto prevalecer a lógica que encara criminosos como vítimas de um sistema injusto desconsiderando a autonomia humana e o poder da decisão individual no cometimento de crimes, a população brasileira continuará refém de organizações criminosas que usam o terror para dominar territórios e garantir seu poder. Tudo sob a leniência de uma geração com a mente cauterizada pelo veneno progressista.
REFERÊNCIAS:
1 28,5 milhões dizem viver em área dominada por facções e milícias, diz Datafolha – https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/10/16/pessoas-vivem-em-area-dominada-por-faccoes-e-milicias-diz-datafolha.ghtml
2 Datafolha: Presença de facções e milícias atinge 19% da população do país – https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/brasil/datafolha-presenca-de-faccoes-e-milicias-atinge-19-da-populacao-do-pais/
3 A “república dos covardes” – https://revistatimeline.com/a-republica-dos-covardes/
4 Apoio Institucional – https://forumseguranca.org.br/
5 Leadership – https://www.opensocietyfoundations.org/who-we-are/leadership
6 Relatório do auditor independente – https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2024/10/auditoria-fbsp-2024-exercicio-2023.pdf
7 Do ‘prender mais e melhor’ à normalização da barbárie nas prisões no Brasil – https://fontesegura.forumseguranca.org.br/do-prender-mais-e-melhor-a-normalizacao-da-barbarie-nas-prisoes-no-brasil/
8 Indicador nacional de esclarecimento de homicídios tem leve crescimento e registra 39% para esse tipo de crime ocorrido em 2022 – https://soudapaz.org/noticias/indicador-nacional-de-esclarecimento-de-homicidios-tem-leve-crescimento-e-registra-39-para-esse-tipo-de-crime-ocorrido-em-2022/
9 Forças policiais do Brasil – https://pt.wikipedia.org/wiki/For%C3%A7as_policiais_do_Brasil. Dados retirados da«Pesquisa Perfil das Instituições de Segurança Pública 2023» (PDF). gov.br. 2023. Consultado em 17 de março de 2025.
10 Forças policiais do Brasil – https://pt.wikipedia.org/wiki/For%C3%A7as_policiais_do_Brasil Dados extraídos do «Anuário Brasileiro de Segurança Pública» (PDF). Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 2022. Consultado em 17 de março de 2025 (https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/10/anuario-15-completo-v7-251021.pdf ) e de Lima, Renato Sérgio de; Bueno, Samira; Marques, David; Silvestre, Giane; Tonelli, Gabriel; Sobral, Isabela; Nascimento, Talita; Carvalho, Thaís; Lagreca, Amanda (fevereiro de 2024). «Raio-x das forças de segurança pública no Brasil». Consultado em 17 de março de 2025 (https://publicacoes.forumseguranca.org.br/items/9628cf35-d687-4588-abd3-cd8628634ca6)
11 REINCIDÊNCIA CRIMINAL: REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA DE AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS – https://revista.forumseguranca.org.br/rbsp/article/download/1970/874
