Por: Luiz Fernando Ramos Aguiar

Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 18/25, conhecida como PEC da Segurança Pública, continua avançando. Nesta semana, a proposta foi discutida em audiência pública por uma comissão especial. Após o encerramento das discussões, a medida deve seguir para votação no plenário. Sob a justificativa de “melhorar a integração entre as forças de segurança e os estados”, a proposta representa um risco à autonomia dos governos estaduais e pode significar a centralização das políticas de segurança pública em Brasília.

O ponto central da PEC é a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). A “isca” para os estados é a transformação do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) em instrumentos constitucionais — o que, em tese, garantiria mais verbas para a segurança pública estadual.

Entretanto, a armadilha está justamente na centralização das políticas: a proposta torna competência privativa do governo federal legislar sobre normas gerais de segurança pública, defesa social e sistema penitenciário. Além disso, para receber os recursos dos fundos constitucionais, os estados precisariam acatar as políticas e estratégias definidas pelo governo federal. Na prática, isso significa que, para terem acesso às verbas, os governadores precisariam se submeter aos planos elaborados por burocratas distantes da realidade local.

A criação dos fundos, no entanto, pode não ser uma isca tão atrativa. De acordo com declarações do deputado Guilherme Derrite, 82% dos recursos aplicados na área de segurança têm origem nos próprios estados, os municípios investem cerca de 7%, enquanto o governo federal contribui com apenas 10%.1 O plano do governo federal, portanto, parece visar ampliar o controle sobre a segurança pública, diminuindo a autonomia dos governos estaduais — que continuariam arcando com os custos das decisões tomadas pela União.

Deputado Capitão Derrite

É importante compreender que o enfrentamento ao crime deve ser realizado com base nas realidades locais, considerando que as organizações criminosas, e até mesmo o crime comum, apresentam características específicas e modus operandi distintos em cada região do país. A centralização das políticas em Brasília pode resultar no engessamento das ações e na burocratização de decisões que, dependendo do tipo de política estabelecida, poderiam necessitar de aprovação, revisão ou autorização de autoridades federais, enfraquecendo a capacidade de resposta imediata dos estados.

Outro problema fundamental da PEC da Segurança é que ela vai na contramão de um dos principais gargalos brasileiros quando se trata do tema: o Ciclo Completo de Polícia. O Brasil é um dos únicos países do mundo em que as forças de segurança operam de forma exclusiva na investigação ou na prevenção dos crimes, o que torna nosso sistema caro, ineficiente e extremamente burocrático. A PEC reforça esse modelo ao retirar da Polícia Rodoviária Federal a possibilidade de investigar crimes.

Uma PEC que não trata do tema do ciclo completo deixa de fora da discussão o problema mais importante do país quando o assunto é a organização do sistema policial. O avanço dessa pauta é travado principalmente por disputas corporativas, já que os sindicatos das polícias civis e federal, em especial os dos delegados de polícia, atuam de forma exaustiva para impedir qualquer progresso. Na minha visão, isso é um erro que perpetua a sobrecarga de trabalho sobre as polícias judiciárias, alimenta disputas institucionais inúteis, gera retrabalho entre as corporações e aumenta a morosidade no atendimento à população.

De qualquer forma, a falta de acordo entre as lideranças e representantes das corporações impede que o Ciclo Completo seja incluído no pacote da PEC da Segurança Pública.

Outro ponto de divergência é a transformação das Guardas Municipais em forças policiais plenas. O tema tem ampla aceitação entre os integrantes das guardas, que vêm se mobilizando em favor da PEC como uma oportunidade de avanço para a categoria. Contudo, mantidas as atuais condições, as Polícias Municipais seriam apenas mais uma força de polícia ostensiva, reforçando o modelo do ciclo incompleto.

A PEC da Segurança Pública é mais um engodo do governo federal, que busca ampliar seu poder por meio da centralização das políticas de segurança pública em Brasília. A medida fere o pacto federativo e reduz a autonomia dos estados, ampliando a burocracia e dificultando ainda mais o trabalho das polícias. A coordenação das ações e a integração entre as forças servem apenas como desculpa para justificar o aumento do poder do governo central sobre os efetivos das polícias — um perigo não apenas para o enfrentamento ao crime, mas uma oportunidade de colocar o comando das forças policiais nas mãos do governo federal. Uma tentação autoritária difícil de resistir, especialmente para um governo progressista.

REFERÊNCIAS

1PEC da Segurança Pública divide opiniões sobre integração das forças policiais

https://www.camara.leg.br/noticias/1211521-pec-da-seguranca-publica-divide-opinioes-sobre-integracao-das-forcas-policiais