Por: Luiz Fernando Ramos Aguiar
Tenente Coronel RR da PMDF e Especialista em Segurança Pública

A execução do delegado Ruy Ferraz Fontes não foi chocante apenas pela tragédia de vermos um dos mais dedicados oponentes do crime organizado sucumbir pela ação covarde de seus algozes. O componente mais devastador dessa execução é saber que um homem que dedicou sua vida ao enfrentamento da maior facção criminosa do país estava abandonado pelo Estado que serviu durante toda a vida. Era de conhecimento público que o Primeiro Comando da Capital o considerava um de seus principais inimigos e que Marcola, o mais proeminente líder da quadrilha, havia jurado executá-lo. Mesmo diante desse quadro de perigo real, nenhuma medida especial foi tomada para garantir a vida de um homem que abdicou de sua segurança pessoal, expôs sua família e se manteve na linha de frente no combate aos mais violentos e cruéis sicários em atividade no Brasil. Infelizmente, mais um policial que paga com a própria vida pela leniência e tolerância das autoridades brasileiras com as organizações criminosas.

O policial, que ocupava o cargo de Secretário de Administração de Praia Grande, não possuía nenhuma escolta ou segurança, e dias antes de seu assassinato havia desabafado com o promotor Lincoln Gakiya1 que estava abandonado à própria sorte. Em outra declaração, o delegado afirmou que seus familiares já haviam pedido que ele deixasse seu emprego na prefeitura e saísse do estado de São Paulo. De acordo com a Secretaria de Segurança de São Paulo, Fontes não solicitou escolta, e a prefeitura de Praia Grande afirmou que ele se dedicou exclusivamente a atribuições administrativas durante o período em que atuou como secretário e nunca relatou preocupações relacionadas à sua segurança.2 Ou seja, todos que poderiam ter adotado medidas para diminuir os riscos de retaliações contra Fontes agora tiram o corpo fora, e colocam sobre a vítima a responsabilidade. Como se ninguém soubesse do perigo real que ele corria e desprezando todo o sacrifício e dedicação do policial durante as décadas em que serviu a sociedade.

Promotor Lincoln Gakiya

O que aconteceu com Fontes não é um caso isolado. Policiais que dedicam suas carreiras ao combate ao crime organizado são duplamente penalizados por sua dedicação. Durante o exercício da profissão, quando se colocam em situações de risco contínuo, sofrem ameaças e perdem a capacidade de levar uma vida normal, pelo constante risco de sofrerem atentados em resposta às suas ações. E depois, quando se aposentam, se veem abandonados por suas corporações. Longe da rotina das delegacias e quartéis, afastados da rede de apoio, muitas vezes informal, que mantinha sua segurança, e sem a proteção de suas equipes, eles se tornam alvos fáceis. Sem contar o medo de que as ações dos criminosos não se limitem apenas à sua integridade física, mas sejam direcionadas também aos seus familiares.

A verdade é que missões como as atribuídas ao delegado Ruy Ferraz Fontes não são dadas a qualquer policial. Geralmente, elas são direcionadas àqueles que não possuem padrinhos políticos, que desenvolveram sua trajetória profissional em unidades de periferia ou dedicadas ao combate direto ao crime. Dizemos que é o presente para aqueles que carregam o piano. E os convites, que soam mais como convocações, são acompanhados de elogios que, para o policial, parecem ter duplo sentido, como se estivessem cevando uma presa para o abate. São frases como: precisamos de alguém de confiança; ou só você pode cumprir essa missão; precisamos de alguém com sua coragem e iniciativa para este trabalho. O policial experiente não se ilude, não se deixa seduzir pelos elogios. Ele assume a tarefa pelo senso de dever. Mesmo sabendo do peso e dos riscos envolvidos, o bom policial assume a missão porque esse é o trabalho.

A carreira de Fontes mostra que ele era um desses profissionais. Começou sua trajetória em uma delegacia do interior, em Taguaí. Posteriormente, foi delegado assistente da Equipe da Divisão de Homicídios, delegado de Polícia Titular da 1ª Delegacia de Polícia da Divisão de Investigações sobre Entorpecentes do Departamento Estadual de Repressão ao Narcotráfico (Denarc), delegado de Polícia Titular da 5ª Delegacia de Polícia de Investigações sobre Furtos e Roubos a Bancos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) e comandou outras delegacias e divisões na capital.3

Outra característica dessa estirpe de profissionais é que eles geralmente não gostam de solicitar o que consideram favores. Muitos acreditam que medidas como a disponibilização de escolta deveriam ser responsabilidade dos responsáveis pelas forças de segurança. Afinal de contas, eles sabem das ameaças e dos riscos decorrentes das missões atribuídas aos subordinados. Outro aspecto dos policiais altamente comprometidos é que, mesmo em posição de liderança, eles não se consideram especiais ou dignos de um tratamento que outros profissionais, que se dedicaram tanto quanto eles, não tenham direito. E talvez este tenha sido o caso. Mas agora só podemos especular os motivos que levaram Fontes a não solicitar proteção.

O fato é que a execução do delegado Ruy Ferraz Fontes, ao que tudo indica, foi um recado claro do crime organizado. Não apenas aos governantes, mas a todos os policiais. Uma forma de intimidação covarde e violenta, com o objetivo evidente de vingança, mostrando aos profissionais das forças de segurança que suas ações contra o crime não serão esquecidas. E que, mesmo na aposentadoria, o apetite sanguinário das facções poderá alcançá-los.

Não tenho dúvidas de que a resposta do Estado será forte e efetiva. O Secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, já determinou a criação de uma força-tarefa para prender os autores do crime, e o procurador-geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira, disponibilizou o apoio do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco). O problema é que a tragédia já foi consumada, e a família que sofreu durante anos com a ausência do delegado, que dedicou sua vida ao combate ao crime, agora sofre com sua partida definitiva.4

Secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite

A omissão na proteção do delegado pode ter sido determinante para o sucesso da ação criminosa, não apenas na execução do inimigo número um do PCC, mas também no efeito secundário de intimidar e desestimular aqueles que ainda estão na ativa e podem ver, nesse episódio, um vislumbre do que os aguarda após dedicarem suas vidas ao combate ao crime.

REFERÊNCIAS:

1Estou abandonado à própria sorte’, disse delegado assassinado no litoral paulista – https://veja.abril.com.br/politica/eu-estou-abandonado-a-propria-sorte-disse-delegado-assassinado-no-litoral-paulista/

2Ex-delegado dirigia carro da esposa quando foi executado; veículo dele estava em oficina de blindagem – https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2025/09/17/ex-delegado-dirigia-carro-da-esposa-quando-foi-executado-veiculo-dele-estava-em-oficina-de-blindagem.ghtml

3Ex-delegado assassinado em SP era considerado inimigo n° 1 do PCC – https://www.metropoles.com/sao-paulo/ex-delegado-assassinado-em-sp-era-considerado-inimigo-n-1-do-pcc

4Derrite cria força-tarefa para apurar execução de delegado no litoral – https://www.metropoles.com/sao-paulo/derrite-cria-forca-tarefa-para-apurar-execucao-de-delegado-no-litoral