Por: Luiz Fernando Ramos Aguiar

Vivemos em tempos difíceis, uma época em que qualquer manifestação de fé cristã é encarada como prova de ignorância, atraso e inadequação às “grandes conquistas” de nossa era. Aliado a esse preconceito, desfrutamos de um cardápio quase infinito de possibilidades de prazeres, distrações, filosofias e ideologias que se colocam frontalmente aos valores defendidos pelo evangelho. E, mesmo que nossos intelectuais, artistas e sacerdotes da mídia defendam algum princípio em consonância com o cristianismo, ele sempre vem maquiado de justificativas sociais, antropológicas ou utilitaristas, de modo que qualquer relevância do evangelho seja sempre esvaziada de qualquer sentido transcendente ou universal.

Mesmo nossas igrejas têm abandonado o sentido mais profundo do evangelho, concentrando-se em teologias que, ao invés de trazer a vontade de Deus para os homens, tentam impor os desejos mais mesquinhos ao Criador. Nesse deserto espiritual, os líderes incentivam seus fiéis a barganhar com Deus através dos dízimos e ofertas, vinculando bem-estar físico, conquistas materiais e reconhecimento social como evidências da aprovação divina.

Até mesmo a caridade deixa de ser uma manifestação espontânea da graça de Cristo, manifesta pela ação da igreja, para se tornar uma espécie de ativismo político. Nesse sentido, o cristão não deve mais ajudar a quem o procura ou quando se depara com uma situação em que sente a necessidade de fazer uma doação. Na maioria das vezes, somos incentivados a procurar uma organização, um projeto, terceirizando as ações. As justificativas são ornadas com as mais finas e pomposas teorias sobre cidadania, dar dignidade às pessoas ou qualquer outra teoria de justiça social. Mas, no final, acabam afastando o cristão comum de uma atribuição básica — e bíblica: “Dá a quem te pedir, e não voltes as costas ao que quiser que lhe emprestes.” (Mateus 5:42)

Nesse cenário de extrema secularização, banalização do evangelho e desprezo pelos valores bíblicos, não é estranho que nossas mentes sejam invadidas por dúvidas, que nossa fé acabe enfraquecida e que nossas convicções mais fundamentais estejam sob constante ataque. As dúvidas podem crescer, abalar nossa fé e, no final, acabar nos afastando do alvo. E, quanto mais longe do evangelho estivermos, mais fértil se torna o solo para o crescimento de pensamentos e sentimentos intrusivos que minam a fé e a convicção. Negar que estamos debaixo dessa realidade pode ser o atalho para a queda. Mas a questão é: como se proteger dessa realidade?

O capítulo 6 do evangelho de João pode nos fornecer uma importante ferramenta para lidarmos com as dúvidas e questionamentos que podem decorrer do conflito entre a nossa percepção da realidade das comunidades religiosas e o confronto da nossa fé diante do que nos é apresentado como verdade, ciência e realidade. Naquele tempo, Jesus já confrontava pessoas que não entendiam a profundidade do evangelho e buscavam Nele apenas a satisfação de seus desejos terrenos mais imediatos.

No início do capítulo, Jesus havia acabado de realizar o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes, alimentando uma multidão com apenas cinco pães e dois peixinhos (João 6:9). Mesmo diante de um milagre tão expressivo, as pessoas não conseguiam perceber a grandeza do que estava diante delas e focaram apenas na satisfação imediata de seus apetites. O que não passou despercebido pelo Mestre:

“Jesus respondeu-lhes, e disse: Na verdade, na verdade vos digo que me buscais, não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos saciastes.” (João 6:26)

Nosso reflexo, de quem já conhece a história, é não entender como as pessoas daquela época puderam ignorar a presença e os milagres de Cristo, ficando encantadas por algo tão banal quanto uma refeição. Mas não percebemos que nossa geração padece do mesmo mal — apenas, talvez, em outra escala. Não queremos pão e peixe, mas ignoramos o projeto salvador e abandonamos a pregação do evangelho correndo atrás de bênçãos triviais, como um carro novo, uma posição melhor no trabalho ou apenas um pouco mais de conforto.

Esquecemos do milagre da salvação, da justificação dos nossos pecados pelo sacrifício de Cristo na cruz, e passamos a medir nossa aprovação diante de Deus por coisas tão banais quanto os peixes e os pães daquela história do evangelho. Temos a mesma reação dos homens daquele tempo que, vendo o milagre, reconhecem o Messias:

“Vendo, pois, aqueles homens o milagre que Jesus tinha feito, diziam: Este é verdadeiramente o Profeta que devia vir ao mundo.” (João 6:14)

Com os lábios, eles reconheciam a verdadeira natureza do ministério do Messias, mas o comportamento deles revelava que o verdadeiro desejo de seus corações era apenas a satisfação de seus apetites mundanos — como o próprio Cristo revela um pouco mais adiante, no versículo 26:

“Jesus respondeu-lhes, e disse: Na verdade, na verdade vos digo que me buscais, não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos saciastes.” (João 6:26)

Confrontados com sua estreiteza de pensamento acerca das coisas de Deus, os homens questionam Jesus, no verso 28, perguntando: “Que faremos para executarmos as obras de Deus?” (João 6:28). E a resposta de Cristo é reveladora:

“Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou.” (João 6:29)

Assim como nós fomos contaminados pela cultura secular — que tem se especializado em difamar, diminuir e marginalizar o cristianismo em todas as suas formas mais ortodoxas de manifestação —, inundando nossos olhos e ouvidos com todo tipo de teorias, histórias, notícias, livros e filmes que tentam descredibilizar a Bíblia e o cristianismo, os ouvintes de Jesus também possuíam motivos racionais para duvidar de Suas palavras:

E diziam: Não é este Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe nós conhecemos? Como, pois, diz ele: Desci do céu?” (João 6:42)

Nos dois casos, os homens podem ser tomados por dúvidas sinceras, mesmo diante de sinais e milagres. E essas dúvidas, quando não tratadas à luz da fé e da verdade do evangelho, podem nos enfraquecer e nos afastar das palavras do Mestre.

Mesmo seus discípulos mais próximos tinham dificuldades em aceitar a dura mensagem do Messias quando Jesus afirma, na sinagoga de Cafarnaum:

“Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia.

Porque a minha carne verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida.

Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim, e eu nele.

Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim, quem de mim se alimenta, também viverá por mim.

Este é o pão que desceu do céu; não como o dos vossos pais, que comeram o maná e morreram; quem comer este pão viverá para sempre.

Ele disse estas coisas na sinagoga, ensinando em Cafarnaum.” (João 6:54-59)

A reação deles não foi aquela que esperamos ao olhar para a Bíblia:

“Muitos, pois, dos seus discípulos, ouvindo isto, disseram: Duro é este discurso; quem o pode ouvir?” (João 6:60)

E o próprio evangelho revela que muitos deixaram de seguir o Mestre, pois não conseguiam aceitar a mensagem — ou talvez não conseguissem superar suas dúvidas e preconceitos. O verso 66 mostra que esses chegaram a abandonar a caminhada com Cristo:

“Desde então muitos dos seus discípulos tornaram para trás, e já não andavam com ele.” (João 6:66)

Diante dessa situação, Jesus não suaviza sua mensagem, não tenta negociar com os valores de seu tempo, não abre mão dos princípios do evangelho. Ao contrário, Ele confronta o núcleo duro de seu ministério, perguntando aos doze:

“Então disse Jesus aos doze: Quereis vós também retirar-vos?” (João 6:67)

Ele não temeu ser abandonado. Não negociou com os fundamentos da fé. Não adaptou a mensagem do evangelho aos caprichos dos homens. Ele confronta aqueles que seriam os responsáveis pela expansão do seu legado — os que, após sua morte, continuariam a pregação do evangelho pelo mundo. Mas nada disso foi suficiente para que Jesus abrisse mão do que era mais importante.

O que mais me impacta em todo esse capítulo do evangelho de João é a resposta de Pedro:

“Respondeu-lhe, pois, Simão Pedro: Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna.

E nós temos crido e conhecido que tu és o Cristo, o Filho do Deus vivente.” (João 6:68-69)

E essa é a nossa saída. Diante de qualquer dúvida ou questionamento. Mesmo que nossa mente esteja constantemente atacada por todo o lixo cultural e científico dedicado à desmoralização do evangelho — que, inevitavelmente, acaba contaminando nosso espírito. As teorias podem confundir o pensamento, as narrativas bagunçar as emoções, e até mesmo as falhas expostas de líderes e denominações religiosas podem abalar nossa confiança.

Mas somos encurralados por uma verdade fundamental. Estamos diante de um intrincado labirinto com uma única saída. E, quando tudo parece não fazer sentido, devemos nos lembrar:

Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna.