Por: Luiz Fernando Ramos Aguiar
As comunidades que vivem sob o domínio das facções e milícias não têm nenhuma dúvida: a vida e a rotina de seus moradores são controladas pelo terror. Tarefas simples e cotidianas, como comprar um botijão de gás ou contratar um serviço de internet, podem levar os residentes dessas regiões a punições cruéis. As sanções variam desde humilhações públicas até execuções sumárias, e tudo isso pode acontecer apenas porque alguém escolheu um fornecedor que não pertence à estrutura de poder da organização criminosa que sequestrou a região.
Além de sofrerem a extorsão estatal oficial, exercida pela política fiscal criminosa de nosso país, os moradores que vivem debaixo do jugo de facções ainda são obrigados a pagar taxas de proteção, comprar pão em padarias chanceladas pelo crime e, em alguns casos, até mesmo o tipo de culto religioso que frequentam deve ser aprovado pelas lideranças criminosas locais.
Mas, mesmo diante desse cenário explicitamente aterrorizante e injusto, o atual governo insiste em negar o óbvio: as facções criminosas e milícias brasileiras se tornaram grupos abertamente terroristas.
O primeiro sintoma do negacionismo foi a resistência do governo em aceitar que os Estados Unidos classificassem nossos grupos criminosos como organizações terroristas.1 Isso ocorreu mesmo diante do fato de que tal reconhecimento poderia desencadear uma série de ações internacionais capazes de dificultar as operações financeiras e logísticas dessas organizações, além de viabilizar políticas conjuntas com o governo brasileiro para combater diretamente as forças criminosas.
Essa rejeição revela uma resistência de natureza profundamente política e ideológica, um dos traços crônicos do governo Lula, que se sobrepõe até mesmo à possibilidade real de melhorar as condições de vida das comunidades subjugadas pelo narcoterrorismo. E isso, na melhor das hipóteses.
Uma visão mais pessimista do cenário sugeriria que a infiltração do crime nas estruturas do Estado alcançou um grau tão avançado que o próprio governo teme a participação estrangeira no enfrentamento ao narcotráfico. Isso porque tal cooperação internacional poderia expor agentes públicos ideologicamente engajados, comprometendo estratégias eleitorais do grupo no poder. É apenas uma hipótese, é verdade, mas uma hipótese que não pode ser descartada sem reflexão.
Mas o caos evidente e sangrento do país fez com que a oposição se movimentasse, o que resultou na apresentação de um projeto de lei, do deputado Danilo Forte, que amplia o conceito de terrorismo para incluir grupos criminosos que exerçam domínio, controle social e poder paralelo ao Estado em qualquer espaço territorial. E não importa se o projeto é fruto de oportunismo político, precisamos considerar a possibilidade real de ampliação do arsenal estatal no enfrentamento ao crime organizado.
Mais do que ampliar penas — algo que, no Brasil atual, faz pouca diferença diante das políticas de desencarceramento e das interpretações críticas do nosso Judiciário —, o texto prevê a antecipação da responsabilização penal, permitindo o enquadramento de atos preparatórios como crimes. Também propõe o aumento de pena caso o ato seja cometido por meio de recurso cibernético e o bloqueio de bens e valores dos acusados, inclusive com o apoio de órgãos estrangeiros. Ainda que não se consiga avançar significativamente na manutenção dos criminosos atrás das grades, ao menos a legislação garantiria meios de interromper atentados e desestabilizar as bases financeiras das organizações.
Mesmo diante de todas as evidências das práticas de terror implementadas por facções, milícias e organizações criminosas de diversas naturezas em atuação no país, assessores do presidente Lula manifestaram a oposição do governo ao projeto com base em um argumento absurdamente surreal: transformar as máfias brasileiras em uma “grife internacional do terror”.2 Não sei se esses senhores estão vivendo em uma dimensão paralela ou simplesmente dentro de tocas, mas, no mundo real, as facções já se transformaram em grifes — símbolos de status e sucesso para toda uma geração de jovens que vivem em comunidades sitiadas e enxergam na carreira criminal um atalho para o reconhecimento e a ascensão social.
A manifestação mais clara dessa realidade está nos milhares de MCs que gravam músicas exaltando personagens e o estilo de vida dos faccionados, nos bailes e festas patrocinadas pelo crime organizado e até em políticos que chegam ao poder com o apoio, velado ou explícito, de facções ou milícias.
Outra sandice contra a medida vem da diplomacia brasileira. Integrantes do Itamaraty e da assessoria internacional do Planalto receiam que o país seja alvo de críticas em fóruns multilaterais de direitos humanos, principalmente por parte de países europeus e organizações internacionais que monitoram práticas de segurança pública.
Talvez os salões chiques das embaixadas e os ambientes climatizados das conferências internacionais estejam, de alguma maneira, intoxicando a mente dos membros do nosso corpo diplomático. Minha recomendação: uma dose cavalar de realidade.
Mesmo que os membros dessas organizações, comandadas por burocratas não eleitos, manifestem alguma resistência ao projeto, os verdadeiros responsáveis pela segurança de seus países verão com alívio qualquer possibilidade de redução nas remessas gigantescas de entorpecentes que têm origem no narcotráfico brasileiro.
Tratar as facções e milícias como organizações terroristas não é a solução definitiva para o crime organizado no país, mas representa o reconhecimento de uma realidade: a estratégia de dominação territorial pela força bélica das organizações criminosas, o controle da população pelo medo e a cooptação do Estado, seja pela prata ou pelo chumbo.
Essa legislação, além de dotar as forças de segurança e o Judiciário de ferramentas mais abrangentes para o enfrentamento ao crime, também facilitaria medidas de cooperação internacional, permitindo levar o combate para além das fronteiras do país.
A esperança é que o governo consiga superar o nojinho ideológico e a resistência política, e tenha a decência de não colocar obstáculos à aprovação do projeto.
Negar que as atuais forças criminosas no Brasil se transformaram em movimentos bélicos de terror classificará o atual governo em uma etiqueta criada pelo seu grupo político, negacionista.
REFERÊNCIAS:
1Por Que o Governo Brasileiro Evita a Ação dos EUA contra Facções Criminosas? – https://lfmeganha.wordpress.com/2025/05/08/por-que-o-governo-brasileiro-evita-a-acao-dos-eua-contra-faccoes-criminosas/
2Governo teme “grife” do terrorismo no crime organizado – https://www.poder360.com.br/poder-governo/governo-teme-grife-do-terrorismo-no-crime-organizado/

Na real, o governo deveria parar de resistir por motivos ideológicos e priorizar medidas práticas, inclusive legais e internacionais, para combater esse poder paralelo. Negar essa realidade é irresponsável e mantém milhões de brasileiros reféns do crime.
Exatamente