Por: Luiz Fernando Ramos Aguiar

Não se discute que o crime organizado levou o Brasil a um estado de morticínio e selvageria: comunidades dominadas, poder público corrompido e a sensação de que vivemos em um ambiente completamente inseguro e hostil. Mas um dos efeitos mais cruéis dessa falência do Estado brasileiro é o sacrifício diário de milhares de profissionais que se colocam na linha de frente dessa guerra assimétrica. Desprezados pelos acadêmicos, retratados como monstros pela mídia, ridicularizados por artistas e inferiorizados por intelectuais, os policiais continuam sendo mortos na linha de frente de uma guerra perdida — sendo a última barreira que impede que o caos se instale de forma absoluta na maioria das grandes cidades do país.

A morte do policial civil José Antônio Lourenço, nesta segunda-feira (19), é mais um trágico capítulo dessa saga que vem drenando o recurso mais importante das forças de segurança: seus profissionais. Membro da CORE (Coordenadoria de Recursos Especiais), Lourenço se destacava não apenas por seu desempenho operacional, mas também por sua atuação como Subsecretário da Ordem Pública da Prefeitura do Rio de Janeiro, cargo que ocupou nos anos de 2022 e 2023.

A execução de Lourenço ganhou grande destaque na mídia mas, infelizmente, não é um caso isolado. Apenas nos últimos dois meses, a CORE teve outros dois policiais baleados no cumprimento do dever. O policial civil João Pedro Marquini foi morto na noite de domingo, 30 de março, na zona oeste do Rio, durante uma troca de tiros com criminosos na subida da Serra da Grota Funda. Já Felipe Marques Monteiro, copiloto de helicóptero, foi atingido por um disparo na cabeça durante a Operação Torniquete, realizada também no dia 19. Até o momento em que este artigo foi escrito, o policial permanecia em estado grave no Hospital Miguel Couto.

Apesar de o estado do Rio de Janeiro ser o epicentro dessa verdadeira chacina contra os profissionais de polícia, essa realidade se alastra pelo país como uma praga. De maneira geral, os meios de comunicação demonstram um carinho especial em divulgar e propagar os números do que denominaram “letalidade policial”. O termo, tradicionalmente utilizado para expressar o grau de letalidade de doenças, já revela o tipo de tratamento dispensado às corporações e aos seus membros pela miríade de profetas e sacerdotes do mainstream, seja no campo acadêmico, artístico, intelectual ou jornalístico.

Unidos sob os dogmas sombrios das teorias críticas e do progressismo, seguem em proselitismo, tentando converter o maior número possível de fiéis em sua cruzada antipolicial. Aliás, essa postura das classes falantes brasileiras torna-se um dos principais fatores que alimentam, entre os policiais, a sensação de que a sociedade não valoriza o sacrifício daqueles que morreram em serviço, foram mutilados no cumprimento do dever ou tiveram suas vidas pessoais destroçadas ao tentar processar os sucessivos episódios de violência extrema enfrentados durante suas jornadas de trabalho.

Esse sentimento, que assombra milhares de profissionais, quando combinado com os inúmeros fatores de estresse envolvidos no trabalho policial, contribui de forma decisiva para a epidemia de suicídios1 entre os membros das forças de segurança.

Muitas forças policiais brasileiras são obrigadas a enfrentar uma realidade que vai muito além do que deveria ser a manutenção da segurança pública. O enfrentamento de milícias urbanas formadas por narcotraficantes, que dominam territórios, utilizam armas de guerra e empregam táticas terroristas, não deveria fazer parte do cotidiano de nenhuma força policial.

Os mesmos hipócritas que defendem a desmilitarização, o desarmamento e até a extinção das corporações não veem nenhum problema em arrastar policiais para verdadeiras batalhas. Nessas situações, os criminosos aplicam técnicas de guerrilha urbana para emboscar, mutilar e executar agentes da lei, muitas vezes utilizando a população civil como escudo para suas ações. E nunca nenhum desses sábios considerou cunhar um termo canalha como letalidade policial, para classificar a ação das facções como o que realmente são, uma doença social. Mas enquanto estiverem sossegados e protegidos em seus condomínios fechados e gabinetes refrigerados, pouco importa o que acontece com os policiais.

A morte do policial civil José Antônio Lourenço, infelizmente será apenas mais uma nota nos noticiários, que só não será esquecida por seus companheiros de trabalho, familiares e amigos.

Sempre tive o hábito de escrever um artigo ou uma reportagem quando um policial que fazia parte do meu cotidiano, ou que ganhava mais destaque na imprensa, tombava no cumprimento do dever. Mas os casos foram se tornando tão numerosos e tão impactantes que acabei abandonando esses escritos. Eles despertam sentimentos conflitantes, especialmente quando pensamos na dor dos familiares.

No entanto, uma mensagem do meu amigo jornalista, Gabriel Sestrem, da Gazeta do Povo, me fez relembrar a importância de nós, que vivemos essa realidade na pele, mostrarmos que alguém se importa. Porque, se ainda existem pessoas, civis e até jornalistas, que se chocam com essas notícias, nós, que fazemos parte da família policial, não podemos nos calar. Precisamos mostrar à sociedade que nossas vidas importam.

Minha esperança, como sempre, é que os familiares e amigos dos policiais executados nesses últimos episódios possam ser consolados pela certeza de que seus entes queridos deram suas vidas por um ideal, por um propósito, por algo maior do que eles mesmos. Mesmo que nenhum comunicador, especialista, artista ou qualquer outro membro dessa elite intelectual pedante reconheça esse valor, todos aqueles que já vestiram uma farda ou carregaram um distintivo sabem exatamente a importância do trabalho que esses profissionais realizavam e a profundidade da dor deixada nas pessoas que os amavam.

Não é o bastante, mas é o que podemos oferecer.

REFERÊNCIAS:

1É preciso falar sobre a epidemia silenciosa de suicídios entre policiais – https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/e-preciso-falar-sobre-a-epidemia-silenciosa-de-suicidios-entre-policiais/