Por: Luiz Fernando Ramos Aguiar
Apesar das últimas tentativas do governo federal de estabelecer uma política centralizadora para a segurança pública terem falhado, os esforços para colocar as forças estaduais de segurança sob uma autoridade central estão longe de terminar. A mais recente investida é o decreto 12.341, de 23 de dezembro de 2024, que tem como objetivo regulamentar o uso da força e dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos profissionais de segurança pública. Ou, pelo menos, essa é a justificativa apresentada.
Depois do fracasso da PEC da Segurança Pública, que buscava implementar o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e enfrentou severa oposição de governadores devido à flagrante tentativa de quebra do pacto federativo, o governo federal lança uma nova investida para controlar as polícias estaduais. Essa medida retira das autoridades estaduais o poder de estabelecer políticas específicas para as atividades operacionais dos profissionais de segurança pública, notadamente no que se refere ao uso de armas de fogo.
A princípio, o decreto não traz nenhuma novidade. O capítulo I repete obviedades e normas já estabelecidas em lei, como, por exemplo, afirmar que as armas de fogo devem ser utilizadas dentro dos limites legais. Trata-se de uma embromação jurídica para suavizar a verdadeira intenção da legislação: proibir que os policiais impeçam a fuga de criminosos utilizando armas de fogo. Isso ficou claro no artigo 3º, § 3º, inciso I:
§ 3º Não é legítimo o uso de arma de fogo contra:
I – pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos profissionais de segurança pública ou a terceiros; [1]
A nova legislação modifica as regras estabelecidas no artigo 3º do Decreto-Lei nº 457/99[2], que trata do uso de armas de fogo e que especificava expressamente as situações em que os profissionais de segurança pública poderiam recorrer a esse recurso. Sobre o impedimento de fuga, o decreto anterior positivava as situações nas letras “b” e “c”:
b) Para efetuar a captura ou impedir a fuga de pessoa suspeita de haver cometido crime punível com pena de prisão superior a três anos ou que faça uso ou disponha de armas de fogo, armas brancas ou engenhos ou substâncias explosivas, radioativas ou próprias para a fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes;
c) Para efetuar a prisão de pessoa evadida ou objeto de mandado de detenção ou para impedir a fuga de pessoa regularmente presa ou detida;
A nova legislação regulamenta Lei nº 13.060, sancionada pela então presidente Dilma Roussef.
Como forma de garantir a adesão à legislação, o governo condicionou o repasse de recursos dos Fundos Nacional de Segurança Pública e Penitenciário Nacional para ações que envolvam o uso da força pelos órgãos de segurança pública ao cumprimento das diretrizes por parte dos estados e municípios.
O decreto entrou em vigor na data de sua publicação. Para que sua aplicação seja revogada, é necessário que haja uma Ação de Inconstitucionalidade, seja por meio de uma ação no Supremo Tribunal Federal, seja por meio da promulgação de um decreto legislativo. Como o Supremo possui um histórico de manter a maioria das decisões do atual governo, a única esperança para a modificação do cenário estabelecido será uma ação efetiva dos nossos parlamentares.
O problema da nova medida são suas consequências óbvias. Uma vez que as forças policiais estão impedidas de utilizar recursos extremos para impedir a fuga de criminosos, a medida funcionará como um estímulo para que, ao invés de se entregar, os criminosos prefiram investir em uma tentativa de fuga. Isso aumentará os riscos operacionais para os policiais e dificultará a captura de elementos perigosos.
Mesmo após um episódio de enfrentamento, os marginais, quando acuados, sentirão a tentação de fugir. Ou seja, mesmo após um assassinato ou uma troca de tiros com a polícia, o marginal se sentirá mais confortável em tentar fugir, uma vez que sabe que os policiais estão impedidos de utilizar suas armas para frustrar seu intento.
Na contramão da lógica, que seria estimular a rendição dos criminosos às forças do Estado, o governo incentiva a resistência e a fuga até as últimas consequências. O que pode dar errado?
Os policiais, que já trabalham sob uma enorme insegurança jurídica, serão submetidos a mais um fator de desestímulo. Além da leniência de nossa legislação, com suas progressões precoces de penas, audiências de custódia, políticas de desencarceramento e manutenção das saídas temporárias — mesmo com uma lei aprovada abolindo a medida —, o governo federal estabelece mais uma norma que dificulta o trabalho policial e, intencionalmente ou não, garante às forças criminosas mais um subterfúgio para suas ações delituosas.
Contudo, o principal prejudicado pela medida, é o cidadão comum que já é obrigado a conviver com níveis de criminalidade inaceitáveis e agora verá ainda mais criminosos em liberdade por uma medida que, supostamente, deveria protege-lo.
[1] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-12.341-de-23-de-dezembro-de-2024-603835855
[2] https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/decreto-lei/457-693806
