Por: Luiz Fernando Ramos Aguiar
Um acontecimento que demonstra a força das facções criminosas e a fragilidade do Estado brasileiro ocorreu na Praia de Pipa, município de Tibau do Sul, Rio Grande do Norte. Após um triplo homicídio envolvendo criminosos, a organização que domina o crime organizado na região determinou o fechamento de todo o comércio da cidade e ainda enviou ameaças aos organizadores do evento Pipa Moto Fest, que seria realizado entre os dias 5 e 8 deste mês em Pipa.
O que causou estranheza não foram as ameaças proferidas pela facção, algo mais do que esperado por esse tipo de organização, mas sim as recomendações dadas pelas autoridades locais aos organizadores do evento. Alexandre Miranda e Erivaldo Caicó afirmaram que foram orientados a não realizar o evento por falta de segurança.
Organizadores do evento explicam o cancelamento do Pipa Moto Fest:
A Secretaria de Segurança Pública e da Defesa Social (SESED) afirmou por meio de uma nota que não orientou ou aconselhou o cancelamento de qualquer evento programado para acontecer na praia de Pipa ou em qualquer lugar do estado. De acordo com a secretaria o policiamento foi reforçado na área da praia em razão dos homicídios registrados no dia 3 de dezembro.
As investigações ainda estão em curso, e não podemos afirmar que a secretaria ou as autoridades policiais locais tenham realmente recomendado a não realização do evento. No entanto, caso essa versão seja comprovada, será um golpe fatal na confiança da população nas forças de segurança do estado.
Quando a população perde confiança no poder do Estado em controlar as forças criminosas, a sociedade é colocada em uma situação de completa anomia. Se não podemos contar com a polícia para garantir a realização de um evento público, que seria realizado com a presença de centenas, talvez milhares de convidados, a quem a população irá recorrer? A impressão imediata é que as facções venceram, que o governo está de joelhos, sem poder de reação para garantir a mínima proteção às pessoas.
Como não há vácuo de poder, uma atitude dessa magnitude imediatamente empodera as organizações criminosas, que se aproveitam da leniência das autoridades estatais para legitimar seu domínio sobre a população. E, como as pessoas têm certeza de que não será oferecida nenhuma garantia por parte dos governantes, acabam se submetendo ainda mais às regras impostas pelos criminosos.
Mesmo que as investigações sobre o episódio ainda não estejam concluídas, não há razões para acreditar que os organizadores do evento estejam mentindo. Afinal, a preparação do evento deve ter gerado diversos gastos e investimentos por parte deles, e não haveria sentido em promover o cancelamento da programação às vésperas do evento. Essa seria uma ação que só geraria prejuízos, não apenas financeiros, mas também à credibilidade dos organizadores.
Não é novidade para ninguém que o Brasil está tomado pelo domínio de facções criminosas. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Datafolha, pelo menos 23 milhões de brasileiros residem em áreas dominadas por milícias ou facções.[1]
O Nordeste tem se tornado uma região estratégica para a expansão das facções mais perigosas do país. Para se ter uma ideia da gravidade do problema, pela primeira vez desde 2020, o Rio de Janeiro não aparece como o estado mais violento do país. Na verdade, de acordo com dados do Ministério da Justiça, Bahia, Pernambuco e Ceará ocupam, respectivamente, as três primeiras posições no ranking.
As mortes violentas intencionais nesses estados, em 2024, superaram as de locais mais populosos, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.[2]
A realidade é extremamente preocupante, e a situação ocorrida em Pipa pode ser um sintoma grave da epidemia criminosa que tem tomado a região Nordeste do país. Nesse contexto, a imobilidade das autoridades do Rio Grande do Norte pode ser considerada uma falha grave nas defesas imunológicas da sociedade contra o crime organizado.
Se não podemos contar com a força bélica do Estado para garantir a realização de um evento público, que traria turistas e divisas para a região, a quem a população irá recorrer? A resposta é óbvia: se o Estado não assumir o controle, as organizações criminosas se sentirão à vontade para estabelecer suas leis sobre a sociedade e, em pouco tempo, a população passará a recorrer a elas quando precisar de segurança para realizar um evento.
Referências:
[1] Mais de 23 milhões de brasileiros vivem em áreas dominadas por milícias ou facções do tráfico – https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2024/09/02/mais-de-23-milhoes-de-brasileiros-vivem-em-areas-dominadas-por-milicias-ou-faccoes-do-trafico.ghtml
[2] Facções colocam três estados do Nordeste no topo do ranking de homicídios – https://veja.abril.com.br/brasil/faccoes-colocam-tres-estados-do-nordeste-no-topo-do-ranking-de-homicidios
