No Brasil, qualquer avanço está sujeito ao tribunal ideológico. Não importam os resultados ou os benefícios para a população. Para o consórcio midiático e seus diversos canais adestrados, o que realmente importa é que aqueles que implementaram políticas exitosas estejam submissos aos dogmas, doutrinas e à liturgia de sua religião política.

Na segurança pública, não é diferente. Com o destaque que o governo de São Paulo vinha obtendo no combate ao crime organizado, principalmente contra o PCC, as forças progressistas não podiam tolerar que uma política comandada por um ex-policial militar, Guilherme Derrite, pudesse ser vista de forma positiva. Figuras políticas, como o atual secretário de segurança pública, são consideradas verdadeiros hereges pela esquerda e, como tal, precisam ser “queimados em praça pública” como exemplo para qualquer um que tenha a coragem de duvidar dos sacerdotes do “amor”.

Guilerme Derrite, Secretário de Sagurança Pública de São Paulo.

Já no início de 2024, imprensa e ONGs se uniram para demonizar a chamada Operação Verão, que concentrou o policiamento na região da Baixada de Santos, após o assassinato do policial militar Samuel Wesley Costa.[1] A região é conhecida por concentrar as operações de tráfico de drogas do PCC, que utiliza o porto local para enviar entorpecentes para outros continentes, como a Europa e a África.[2]

As ações executadas pelas forças policiais paulistas na região resultaram em reações violentas da facção que controlava as comunidades da Baixada, culminando em enfrentamentos que levaram à morte de pelo menos 56 pessoas, entre elas dois policiais militares.

Em contrapartida, a operação resultou na prisão de mais de 1.000 suspeitos, incluindo 438 procurados pela Justiça, na apreensão de mais de duas toneladas de drogas, 119 armas, e na redução de roubos em 25% em Santos, São Vicente e Guarujá, em comparação com o mesmo período de 2023. Na verdade, fevereiro de 2024 registrou a menor taxa de roubos na Baixada Santista desde o ano de 2001. Para garantir que a região não fosse retomada pelo tráfico o governo garantiu a ampliação do efetivo de policiais militares, com um total de 341 homens.[3]

A Polícia Civil do estado também está engajada no enfrentamento ao crime organizado. Em agosto deste ano, em apenas uma operação, foi desbaratado um esquema do Primeiro Comando da Capital que resultou no bloqueio de mais de 8 bilhões de reais. Foram cumpridos 20 mandados de prisão e 60 de busca e apreensão, expedidos pela 2ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Direitos de Capital, com apoio da Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes de Mogi (DISE).[4]

Mas nenhuma dessas ações recebeu destaque ou foi reconhecida como um golpe no cartel. Na verdade, como sempre, o que interessa é a política partidária, mesquinha e pequena. O fortalecimento da imagem de Derrite começou a ser visto como o surgimento de uma nova liderança política. Como ele não se alinha ao discurso ideológico dos monopólios do mainstream midiático e político, precisava ser neutralizado.

A solução foi atacar sua base principal: a Polícia Militar. A imprensa começou a dar grande destaque a ações realmente ruins, se não desastrosas, de policiais militares. Entretanto, a Polícia Militar do Estado de São Paulo está longe de ser a corporação mais violenta do país. Por exemplo, a Polícia Militar do Estado da Bahia registrou 1.344 mortes em decorrência de ações policiais, em números absolutos, enquanto em São Paulo foram 676.[5]

Quando se leva em conta a taxa por 100.000 habitantes, São Paulo cai para a 15ª posição no ranking, com 1,79. O Amapá lidera com 17,64, enquanto a Bahia ocupa a vice-liderança, com 10,86 mortes por 100 mil habitantes. Por coincidência, tanto o governador do Amapá, Clécio Luís, quanto o da Bahia, Jerônimo Rodrigues Souza, são filiados a partidos de esquerda. Talvez por isso não recebam críticas, mesmo que suas forças policiais apresentem números muito mais expressivos do que os do estado de São Paulo.

Clécio Luís, Governador do Amapá.

Mesmo com todos esses inimigos, o governador Tarcísio pode ter sido o principal responsável pelo maior golpe contra sua própria administração: a nomeação do novo ouvidor das polícias, o advogado Mauro Caseri, filiado ao Partido dos Trabalhadores.

Mauro Caseri, novo ouvidor das polícias.

É preciso reconhecer que o governador não tinha muitas alternativas, já que a Lei Complementar nº 988, de 09 de janeiro de 2006, estabelece que o Ouvidor será nomeado pelo Governador do Estado dentre os indicados em lista tríplice organizada pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE).[6]

O que me incomoda profundamente é a falta de atenção, dos chamados “conservadores”, com cargos-chave que estão fora do primeiro escalão do governo. A lei que regula a nomeação do ouvidor foi atualizada em 19 de setembro de 2024 e, mesmo tendo maioria na Assembleia, o governador permitiu que o texto fosse modificado, mantendo a escolha do nome do ouvidor a cargo de um conselho claramente formado por opositores. E é aqui que ressalto a responsabilidade do próprio governador que algemou a nomeação de seu ouvidor a escolha de seus inimigos políticos.

De acordo com o próprio site da ouvidoria, ela é um órgão do governo do Estado que tem como atribuições ouvir, encaminhar e acompanhar denúncias, reclamações e elogios feitos pela população sobre a atuação policial. Ela não investiga as denúncias recebidas, mas as encaminha para a Corregedoria e acompanha a apuração, trabalhando para que seja rigorosa e imparcial.[7]

Mas como um órgão de governo pode ser imparcial quando tem em sua chefia uma pessoa filiada a um partido político que faz oposição não apenas ao governo do estado, mas também a sua maior força de segurança, a Polícia Militar. A repulsa do PT às polícias militares é tão brutal que ela chega a defender textualmente a desmilitarização delas, sem propor nenhum modelo alternativo, como pode ser conferido na “Carta de Salvador e Resoluções do 5º Congresso”, no número 73:

73. O programa da frente tem a obrigação de somar, à agenda do desenvolvimento, da questão nacional (a Petrobrás como pilar), da democratização do Estado, o fim dos autos de resistência, a desmilitarização das polícias estaduais, a descriminalização das drogas, a criminalização da homofobia, a igualdade de gêneros e o reconhecimento pleno da união homo-afetiva, entre outros direitos civis.[8]

A desmilitarização das polícias, sem a apresentação de uma alternativa viável para sua organização, representa, em última instância, sua extinção. O trecho do documento também deixa claras as intenções do partido no que se refere às políticas de segurança pública, principalmente ao defender a descriminalização das drogas, principal commodity comercializada pelo Primeiro Comando da Capital.

A leniência do governador em estabelecer políticas que pudessem garantir que seus inimigos políticos não ocupassem cargos-chave na administração resultará no aumento da pressão que a imprensa, ONGs e forças políticas estão exercendo contra seu governo. Ao optar por não mudar a lei, talvez para evitar o embate político, acabou fortalecendo e ampliando a voz de seus opositores, deixando a cargo de uma pessoa ligada ao PT a responsabilidade de fiscalizar todas as denúncias e apurações contra suas forças policiais.

Dada a inclinação ideológica do partido, as chances de essa função ser exercida de forma imparcial e justa são remotas, o que dará ainda mais munição para a imprensa amplificar a campanha em curso para descredibilizar as forças policiais de São Paulo, especialmente a Polícia Militar. Entre a vergonha e a guerra, o governador escolheu a vergonha e agora terá também a guerra.

Mas o principal problema de toda essa disputa política não são suas consequências eleitoreiras, mas o risco de uma mudança na política de segurança pública de São Paulo que, pela primeira vez, está conseguindo impor perdas significativas ao crime organizado, fundamentalmente ao PCC, o maior cartel de drogas em atuação no país.

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Referências


[1] Operação Verão é 60,7% mais letal do que Operação Escudo no litoral de SP – https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2024/03/16/operacao-verao-e-607percent-mais-letal-do-que-operacao-escudo-no-litoral-de-sp.ghtml

[2] PF combate tráfico internacional de drogas no Porto de Santos – https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/noticias/2024/10/pf-combate-trafico-internacional-de-drogas-em-santos-sp

[3] Operação Verão na Baixada Santista termina: confira o balanço e os próximos passos – https://gazetabrasil.com.br/brasil/sao-paulo-brasil/2024/04/02/operacao-verao-na-baixada-santista-termina-confira-o-balanco-e-os-proximos-passos/

[4]Polícia deflagra operação contra esquema de R$ 8 bilhões que envolvia financiadores do PCC – https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/policia-deflagra-operacao-contra-esquema-de-r-8-bilhoes-que-envolvia-financiadores-do-pcc/

[5] A PM de São Paulo é a mais letal do Brasil? – https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/a-pm-de-sao-paulo-e-a-mais-letal-do-brasil

[6]LEI COMPLEMENTAR N° 988, DE 09 DE JANEIRO DE 2006 – https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei.complementar/2006/lei.complementar-988-09.01.2006.html

[7] Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo – https://www.ssp.sp.gov.br/ouvidoria/

[8] Carta de Salvador e Resoluções do 5º Congresso – https://fpabramo.org.br/csbh/wp-content/uploads/sites/3/2018/05/5Congresso_-Caderno-de-Resolu%C3%A7%C3%B5es.pdf