POR: Luiz Fernando Ramos Aguiar
A brutalidade e a selvageria têm rompido a rotina do bairro do Tatuapé, conhecido por sua prosperidade e expansão imobiliária. A região tornou-se palco de uma série de crimes bárbaros atribuídos ao Primeiro Comando da Capital (PCC), a principal organização criminosa do país. Em apenas seis anos, ao menos sete execuções diretamente ligadas à facção ocorreram na área, deixando um rastro de sangue e terror. Esses crimes são um sintoma evidente do crescimento e da consolidação da organização, que utiliza o medo como ferramenta para ampliar sua influência sobre as populações em territórios de seu interesse.
Como forma de demonstrar poder e reforçar a intimidação, a facção chegou ao extremo de decapitar uma vítima e expor sua cabeça em praça pública. No entanto, as demonstrações de perversidade não se limitaram a esse ato. Em outro episódio, a quadrilha enforcou uma pessoa sob um viaduto, deixando a vítima pendurada para que toda a comunidade pudesse presenciar a cena. Esses crimes brutais funcionam como uma espécie de “assinatura” do PCC. Não se destinam apenas a punir as vítimas, mas também a enviar mensagens de poder e domínio, além de servirem como um mecanismo eficiente de retaliação contra qualquer força que se oponha à organização criminosa.
Esses casos representam 35% das 20 mortes registradas pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) no Tatuapé entre 2018 e 2023.
Uma Série de Mortes Ligadas à Alta Cúpula do PCC
A barbárie do PCC não se restringe aos inimigos externos. Entre suas vítimas estão Anselmo Becheli Santa Fausta, conhecido como “Cara Preta”, um dos líderes da facção, morto a tiros em dezembro de 2021, junto com seu motorista, Antônio Corona Neto, o “Sem Sangue”. O duplo assassinato teria sido motivado por conflitos internos envolvendo Vinícius Gritzbach, corretor de imóveis ligado à lavagem de dinheiro do PCC. Gritzbach foi executado em novembro de 2024 no Aeroporto Internacional de São Paulo, na Grande São Paulo, numa das ações mais ousadas da facção, realizada à luz do dia e registrada pelas câmeras de segurança.
Cara Preta também era investigado por movimentar criptomoedas como forma de ocultar recursos da organização. Em um episódio digno de uma série policial, integrantes da facção e policiais corruptos iniciaram uma verdadeira “caça ao tesouro” em busca de um pen drive que supostamente continha o equivalente a 100 milhões de dólares em criptomoedas, pertencentes a Cara Preta. Para desespero geral, o dispositivo jamais foi encontrado.
Vingança e Brutalidade como Regras
A primeira execução relevante no Tatuapé ocorreu em 2018, quando Wagner Ferreira da Silva, conhecido como “Cabelo Duro”, foi morto a tiros em frente a um hotel de luxo. Ele era acusado de envolvimento no assassinato de Rogério Jeremias de Simone, o “Gegê do Mangue”, líder máximo do PCC nas ruas. A morte de Gegê, ocorrida no Ceará, foi o estopim de um racha interno na facção.
Cabelo Duro foi atraído ao local por Cláudio Roberto Ferreira, o “Galo Cego”, um aliado que, sob ameaça de morte, foi forçado pelo “tribunal do crime” a colaborar com a emboscada. Meses depois, Galo Cego também foi assassinado em circunstâncias brutais: 70 disparos de fuzil perfuraram seu carro blindado na zona leste de São Paulo.
Cabeças Expostas e Enforcamentos Públicos
Um dos episódios mais impactantes foi a decapitação de Noé Alves Shaun, apontado como pistoleiro contratado para matar Cara Preta e Sem Sangue. Sua cabeça foi encontrada em janeiro de 2022 na Praça 20 de Janeiro, no Tatuapé, junto com um bilhete justificando a execução como vingança pelos assassinatos anteriores.
Poucos dias depois, Django, outro envolvido nos crimes, foi encontrado enforcado sob o viaduto de Vila Matilde. Apesar das circunstâncias suspeitas, o caso foi arquivado pela polícia sem investigações aprofundadas. Já Rafael Maeda Pires, conhecido como “Japa”, morreu em um suposto suicídio que mais tarde foi desmentido, após peritos apontarem inconsistências na cena do crime.
A sucessão de assassinatos, traições, intrigas e emboscadas mostra que as relações entre os integrantes do crime organizado são complexas, e as disputas por poder, uma constante. Isso confirma a velha máxima de que não existe ética entre criminosos. Para se estabelecerem como lideranças, os integrantes precisam demonstrar determinação e força na condução dos assuntos da facção, resultando em uma escalada de crueldade e brutalidade.
Os crimes, cada vez mais cinematográficos, podem ser um indício do enfraquecimento das lideranças centrais, sugerindo a existência de movimentos internos de divisão na organização. Essa situação pode representar uma oportunidade para que as forças de segurança aproveitem a brecha e inflijam baixas significativas ao PCC.
Um Reduto do Crime Organizado na Zona Leste
A zona leste, historicamente dominada pelo PCC, oferece uma espécie de refúgio para criminosos que ascendem socialmente. A migração para bairros como o Tatuapé e o adjacente Anália Franco é uma estratégia para ostentar o “novo dinheiro” obtido pelo tráfico, mantendo-se em território familiar e longe dos holofotes das regiões tradicionais da elite paulistana.
A proximidade com pessoas ligadas a atividades financeiras, como comerciantes e empresários, facilita a formação de redes para a lavagem de dinheiro, especialmente por meio de negócios imobiliários.
O professor Rafael Alcadipani, da Fundação Getúlio Vargas, ressalta que o Tatuapé se tornou símbolo de status entre criminosos, graças à expansão imobiliária e aos empreendimentos de luxo. “Para eles, é uma forma de viver próximos de suas raízes e, ao mesmo tempo, demonstrar poder”, explica o especialista.
A Luta Contra o Avanço da Criminalidade
Os crimes no Tatuapé evidenciam os desafios enfrentados no combate ao crime organizado, especialmente ao PCC. A facção expande suas atividades financeiras e utiliza estratégias brutais para dominar, subjugar e intimidar inimigos, construindo no imaginário popular o mito de uma organização implacável e invencível.
Apesar de parecer contraditório, essa combinação de violência e sofisticação demonstra a agressividade da facção em se consolidar como uma força central na dinâmica social brasileira. Os acontecimentos no Tatuapé refletem tanto a força do PCC quanto a fragilidade do sistema em conter sua expansão.
Enquanto as investigações avançam, os moradores da região continuam vivendo sob a sombra do terror, marcados pelas ações de uma organização que transformou o bairro em palco de seus atos mais brutais.
*Com informações do Portal Metrópoles






