Por: Luiz Fernando Ramos Aguiar

INTRODUÇÃO

Pensar a segurança pública a partir de uma perspectiva global é um desafio ignorado pela maioria dos estudiosos, gestores e operadores dessa área. Os problemas locais e o cotidiano violento dos grandes centros urbanos, potencializados pelas narrativas da imprensa, deslocam as discussões para as causas mais imediatas, deixando de lado as pressões decorrentes das determinações territoriais e dos desdobramentos das relações entre as nações.

Mesmo casos evidentes, como as fronteiras entre o Brasil e os principais produtores de cocaína do mundo, permanecem fora do horizonte dos atores envolvidos nas políticas de enfrentamento ao crime. Estabelecer conexões entre as questões cotidianas da segurança pública e os eventos globais de geopolítica pode proporcionar aos gestores locais uma visão ampla da realidade, desencadeando estratégias, políticas públicas e operações mais pragmáticas, com resultados mais efetivos, alinhados à esfera de atuação do agente público.

Compreender os conceitos de geopolítica também leva os gestores locais a encarar suas áreas de responsabilidade considerando fatores que, embora não possam ser alterados pela atuação das forças de segurança, são determinantes na forma como as organizações criminosas estruturam e executam suas ações. A organização do espaço urbano, por exemplo, pode ser a chave para identificar como traficantes locais estabelecem a logística necessária para manter o comércio de drogas em uma comunidade. Também é possível determinar os pontos mais favoráveis para o depósito de mercadorias ilegais ou a localização das bases operacionais dos criminosos.

Os desdobramentos das relações entre as nações são incorporados no sistema de organizações internacionais, que, por meio de órgãos como as Nações Unidas, originam tratados e acordos. Esses documentos, uma vez incorporados às legislações nacionais, têm impacto direto nas políticas de segurança pública. Contudo, a desconexão dos membros dessas organizações em relação às realidades locais, sua formação ideológica e a influência da imprensa em suas decisões fazem com que grande parte das políticas decorrentes desse tipo de legislação seja completamente antagônica às necessidades e anseios das sociedades afetadas.

Embora muitos desses fatores estejam fora do alcance de atuação dos agentes e gestores de segurança pública, conhecê-los é fundamental. Não apenas por curiosidade acadêmica ou vaidade intelectual, mas para traçar rotas alternativas, eleger prioridades institucionais e influenciar autoridades governamentais e políticas no sentido de não aderir a legislações e acordos que, apesar de prestígio midiático e político, tenham efeitos devastadores sobre as pessoas reais. Além disso, os membros das forças de segurança, ao longo de suas carreiras, frequentemente têm oportunidades de ocupar cargos em instituições políticas e organizações internacionais. É necessário prepará-los como agentes de influência, capazes de orientar e defender estratégias e ações contextualizadas, que sejam verdadeiramente efetivas.

GEOPOLÍTICA

Em primeiro lugar, é preciso apresentar uma definição de geopolítica. A análise etimológica do termo pode nos oferecer uma compreensão mais precisa dos conceitos envolvidos nesta área.

Geo refere-se aos elementos geográficos que formam uma determinada região, como o relevo, a composição hidrográfica, a localização e o clima. Trata-se de elementos eminentemente constantes, quase imutáveis, que apenas em situações muito específicas e raras sofrem alterações significativas capazes de modificar a forma como interferem nas relações sociais. A geografia pode explicar como uma sociedade surge e interage. A localização de um povo determina os recursos naturais disponíveis para seu desenvolvimento, bem como as populações ao seu redor, estabelecendo inicialmente as possibilidades de trocas e interações.

Política, de acordo com Schmitter, é a resolução de conflitos ou um conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam à resolução pacífica dos conflitos relacionados a bens públicos (Schmitter, 1965). Ou seja, refere-se à forma como as pessoas interagem, idealmente, em busca do bem comum.

A palavra política tem suas origens na expressão grega politéia, usada para englobar todos os temas relacionados à polis (Cidade-Estado) e à vida em comunidade. Está diretamente associada à convivência e às interações sociais, proporcionando a todos os membros de uma comunidade a oportunidade de expressar seus anseios e conflitos sem rupturas violentas, preservando a ordem e a paz coletiva.

A interconexão e a interação entre esses conceitos formam a essência da geopolítica, definida como:

“A geopolítica pode ser entendida como o estudo e a prática da política do poder internacional definida no espaço geográfico. É um campo do pensamento e da análise estratégica. A geopolítica ocorre essencialmente na confluência entre espaço (“geo”) e poder (“política”).”

Como identificado por Parag Khanna:

“Geopolitics is equally concerned with the geography of power (its distribution across space) and the power of geography (the significance of place).”

Embora os princípios da geopolítica sejam aplicados fundamentalmente nas relações entre as nações, é possível utilizá-los de forma análoga às interações no microcosmo das cidades. Na prática, muitas vezes de forma inconsciente e intuitiva, os gestores de segurança pública já aplicam esses princípios.

O planejamento do policiamento ostensivo em uma comunidade que considera o tipo de ordenamento urbano local tende a ser muito mais efetivo. As cidades com ocupação vertical, por exemplo, onde a população se concentra em áreas reduzidas, podem receber um maior número de policiais a pé, já que não há necessidade de grandes deslocamentos, permitindo o atendimento de uma comunidade significativa em um espaço limitado. Por outro lado, regiões rurais ou áreas residenciais com ocupação horizontal e baixa densidade demográfica necessitam de policiais com maior mobilidade para cobrir grandes distâncias, tornando o uso de viaturas mais relevante.

Favela Rio de Janeiro
Favela São Paulo
Águas Claras – DF
Guará – DF

Da mesma forma, o gestor, em seu planejamento, não pode ignorar as relações políticas de uma determinada comunidade. Muitas vezes, é necessário “sacrificar” a cobertura de algumas áreas para atender às reivindicações de organizações comunitárias e políticas, como forma de preservar a tranquilidade local. Ignorar as demandas das lideranças locais pode desencadear manifestações populares e protestos, o que seria ainda mais prejudicial para o planejamento operacional.

Afinal, o acompanhamento de um protesto poderia exigir o remanejamento de um efetivo maior do que aquele necessário para atender à demanda inicial, sem mencionar as implicações políticas e os impactos na imagem da corporação à qual o gestor pertence.

PRINCIPAIS FATORES TERRITORIAIS

Tamanho (extensão territorial)

A extensão de um território é um dos principais fatores de sua importância geopolítica, especialmente no que se refere às condições de proteção e segurança. Quanto maior for a nação, maior será a extensão de suas fronteiras e águas territoriais, o que aumenta os desafios relacionados à segurança nacional e exige que o país possua forças armadas preparadas para garantir sua proteção.

Por outro lado, a profundidade territorial oferece a possibilidade de uma defesa mais passiva, permitindo atrair forças invasoras para dentro das fronteiras, dificultando sua logística e reduzindo a capacidade de combate do inimigo. A Rússia tem vasta experiência nesse tipo de estratégia. Durante a invasão napoleônica e a ofensiva nazista, os russos usaram sua grande extensão territorial para atrair os invasores para o interior do país, rompendo suas linhas de suprimento e utilizando o rigoroso inverno como aliado.

Por outro lado, países com território reduzido precisam adotar políticas de defesa mais agressivas, com forças armadas robustas, como no caso de Israel, ou manter uma postura mais passiva, evitando conflitos diretos.

Fronteiras

As nações vizinhas também são determinantes no tipo de política externa, de defesa e comercial adotada por um país. Compare, por exemplo, os Estados Unidos, que têm apenas duas fronteiras terrestres, com o México e o Canadá, com o Brasil, que, além de um extenso mar territorial, faz fronteira com quase todos os países da América do Sul.

Localização

O espaço onde um país está situado insere-o em uma realidade específica, determinando com quem terá fronteiras, o clima, a hidrografia, os recursos naturais disponíveis, o relevo e até o tipo de bioma.

Um país com uma costa extensa terá maior propensão a trocas, comércio e interação com outras nações. Já uma nação isolada, sem acesso ao mar ou localizada em uma cadeia montanhosa, tende a ser mais fechada e tradicional, devido às dificuldades de trânsito de pessoas e de relacionamento com outros povos.

FATORES TERRITORIAIS APLICADOS À SEGURANÇA PÚBLICA

Todos esses fatores também estão presentes nas operações de segurança pública. A extensão da circunscrição de um Batalhão de Polícia Militar, por exemplo, determinará o tamanho do efetivo necessário, a quantidade de veículos, o tipo de regime de escalas e até a modalidade de policiamento empregada. Se a circunscrição for muito extensa, pode ser necessária sua divisão de responsabilidade entre mais de uma unidade policial.

A logística também será impactada. Em territórios maiores, as viaturas de fiscalização precisarão realizar deslocamentos mais longos, ou será necessário aumentar o número de viaturas para realizar essa tarefa, o que implicará em menos veículos disponíveis para a atividade-fim.

As fronteiras da circunscrição também são determinantes. Caso não existam limites claros, como no caso das conurbações e das grandes metrópoles, unidades policiais podem ter áreas de sobreposição de policiamento. Policiais de uma unidade podem acabar atendendo ocorrências na região vizinha, desviando o policiamento do planejamento inicial. Um batalhão que tenha, em sua área de atuação, uma comunidade conflagrada, dominada por uma facção criminosa, precisará reforçar o patrulhamento nos limites dessa região, prejudicando a atuação em outras áreas de sua responsabilidade.

A localização também influencia no tipo de urbanização. Regiões com pouca infraestrutura, como a ausência de vias pavimentadas, aumentam a necessidade de manutenção das viaturas, dificultam o deslocamento dos efetivos, reduzem a salubridade do serviço e aumentam o absenteísmo, o que exige constantes adequações no planejamento e na execução do policiamento.

POLÍTICA INTERNACIONAL E INFLUÊNCIA LOCAL

O processo de globalização tem tornado os países cada vez mais interdependentes. A comunicação global, facilitada pela internet, e as relações comerciais cada vez mais dinâmicas fazem com que acontecimentos ocorridos a centenas de quilômetros, ou mesmo em outros continentes, possam gerar consequências em sociedades aparentemente desconectadas.

CRISES MIGRATÓRIAS

Por exemplo, a crise política na Venezuela desencadeou uma onda migratória para o Brasil, trazendo impactos diretos na segurança pública, especialmente nas regiões próximas às fronteiras.

De acordo com uma matéria publicada na Folha BV (jornal de Roraima), dados divulgados pela Secretaria de Segurança do Estado indicam que, entre 2017 e 2018, foram registradas 5.939 ocorrências envolvendo estrangeiros, sendo 95% delas atribuídas a venezuelanos. Em 2017, os atendimentos emergenciais registraram 1.765 ocorrências, representando 2,26% das 77.939 demandas do ano. Já em 2018, o número saltou para 4.173 ocorrências, representando 5,8% do total de 71.852 casos gerais, com uma taxa de crescimento de 136% entre os dois anos.

CONFLITOS INTERNACIONAIS

Mesmo conflitos internacionais, como o atual entre Rússia e Ucrânia, podem ter consequências diretas no agravamento da criminalidade no Brasil. Por exemplo, a Ucrânia foi inundada por centenas de milhares de armas — como fuzis, morteiros, lançadores de foguetes, granadas, explosivos e outros equipamentos bélicos que podem ser usados por unidades de guerrilha. Com o fim do conflito, o destino natural desse arsenal, hoje sem controle, é o tráfico internacional de armas.

Essas dinâmicas reforçam a necessidade de integrar fatores territoriais e internacionais às estratégias de segurança pública, considerando os impactos diretos e indiretos que eles podem causar nas sociedades locais. Armas dessa natureza tem destino certo, milícias guerrilheiras e o crime organizado. Não seria nenhuma suposição exagerada acreditar que, após o término do conflito, as forças policiais do país comecem a prender e enfrentar criminosos armados com os espólios da guerra ucraniana. Nesse caso, o agravante é que as armas a disposição do tráfico internacional poderiam ser os poderosos lança-míssil FGM-148 Javelin. Portáteis e simples de operar, podem ser levados por 1 só homem, e neutralizar um veículo blindado com um único disparo – que custa US $80.000. Quanto um traficante carioca estaria disposto a pagar por uma tecnologia que pode neutralizar a única ameaça à hegemonia dos criminosos nas comunidades, os carros blindados da polícia carioca, os caveirões?

GLOBALIZAÇÃO x GLOBALISMO

Para compreender essas relações, é essencial distinguir dois conceitos frequentemente confundidos: Globalização e Globalismo.

Globalização

A globalização é um processo de intensificação e aprofundamento da integração econômica, social, cultural e política entre povos e nações. Esse fenômeno ocorreu em função da redução dos custos dos meios de transporte e da facilitação da comunicação entre os países, especialmente a partir do final do século XX e início do século XXI. A globalização está relacionada a fatores culturais e econômicos, sendo caracterizada pela intercomunicação entre os povos e o acesso a produtos e serviços de forma ágil, acessível mesmo a longas distâncias.

Ela representa a profunda integração global de capitais, empresas, comércio, turismo e, em menor escala, de pessoas e povos. Esse processo se intensificou a partir dos anos 1990, como consequência de uma drástica redução nos custos de transporte e comunicação, resultante da chamada “revolução da telemática” — o grande avanço das tecnologias de telecomunicação e informática. A globalização, portanto, é um reflexo do progresso do liberalismo e do livre mercado.

Globalismo

O globalismo, por outro lado, refere-se à tentativa de estabelecimento de uma política transnacional, gerida por burocratas não eleitos, membros de organizações internacionais ou transnacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a União Europeia (UE). Os defensores dessa política veem o mundo como um campo de influência política. O objetivo final dos globalistas é a criação de estruturas burocráticas supranacionais, capazes de delimitar, conduzir e comandar as relações entre pessoas de diferentes continentes por meio de intervenções e decretos.

Enquanto a Globalização é, em princípio, um processo espontâneo e orgânico, decorrente da intensificação das relações econômicas, do desenvolvimento tecnológico e de mudanças culturais, o Globalismo é um projeto político-ideológico organizado. Este último possui movimentos independentes que, ora se apoiam, ora se antagonizam, dependendo das conveniências, oportunidades e objetivos políticos.

As Três Principais Forças Globalistas

Sobre as principais forças globalistas, o professor Olavo de Carvalho, em debate com Alexander Dugin, afirma:

“Cada uma tem uma história bem documentada, mostrando suas origens remotas, as transformações que sofreu ao longo do tempo e o estado atual da sua implementação.”

Alexander Dugin

Os agentes que personificam essas forças atualmente são:

  1. A elite governante da Rússia e da China, especialmente os serviços secretos desses dois países.
  2. A elite financeira ocidental, representada, em especial, pelo Clube Bilderberg, pelo Council on Foreign Relations e pela Comissão Trilateral.
  3. A Fraternidade Islâmica, composta por lideranças religiosas de vários países islâmicos e alguns governos de nações muçulmanas.

Desses três agentes:

  • O primeiro pode ser concebido em termos estritamente geopolíticos, já que seus planos e ações correspondem a interesses nacionais e regionais bem definidos.
  • O segundo, mais avançado na implementação de seus planos de governo mundial, posiciona-se explicitamente acima de qualquer interesse nacional, inclusive dos países onde se originou e que servem como base de operações.
  • No terceiro, eventuais conflitos entre os governos nacionais e o objetivo maior do Califado Universal acabam sendo resolvidos em favor deste último. Apesar de existir atualmente apenas como ideal, o Califado tem sua autoridade simbólica fundada em mandamentos corânicos que nenhum governo islâmico ousaria contrariar diretamente.

Globalismo no Brasil

No Brasil, o globalismo se manifesta principalmente por meio de resoluções e tratados provenientes de entidades e organizações internacionais, frequentemente influenciadas pela elite financeira internacional. Esses documentos acabam sendo acatados pelo governo brasileiro e integrados à legislação nacional.

Um exemplo é o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, que deu origem às audiências de custódia no país.

CONCLUSÃO

Estar atento aos aspectos geopolíticos no planejamento das políticas de segurança pública, em suas estratégias e atividades operacionais, é uma obrigação dos gestores, fortalecendo a execução das melhores práticas de forma a garantir a segurança e a tranquilidade da população. Além disso, o gestor deve identificar projetos e ações vinculados aos desdobramentos de movimentos políticos e ideológicos, estando preparado para minimizar suas consequências autoritárias e garantir os direitos fundamentais dos cidadãos da melhor forma possível.

Estudar os impactos dos conflitos internacionais, as crises humanitárias e o modo como os organismos supranacionais trabalham para implementar seus objetivos — muitas vezes em detrimento dos interesses nacionais — deve ser o guia para subsidiar o profissional de segurança pública. Isso permite influenciar e direcionar ações governamentais e políticas públicas na direção da manutenção da liberdade, da democracia e dos direitos individuais.

É importante reconhecer que, em diversas ocasiões, haverá um evidente conflito de interesses entre os objetivos pessoais do gestor e as necessidades da população. Contudo, o compromisso com o serviço e a proteção da sociedade deve prevalecer sobre interesses políticos, vantagens financeiras ou vínculos com cargos e funções específicas.

Um exemplo marcante é a conduta dos oficiais nazistas, que, embora não fossem necessariamente monstros, eram eficientes funcionários públicos. Chegavam sempre pontualmente, controlavam com precisão o fluxo de gás nas câmaras de extermínio e cumpriam todas as metas estabelecidas pelo Reich. Suas ações estavam amparadas por regulamentos e normas da Alemanha nazista. Como fariseus, obedeciam rigorosamente às leis, sem questionar ou resistir. Ao final, justificaram-se dizendo: “Nós apenas estávamos cumprindo ordens…”

Esse exemplo histórico reforça a necessidade de que os gestores públicos sejam mais do que meros cumpridores de normas. Eles devem refletir sobre o impacto ético de suas ações, priorizando os direitos humanos e o bem-estar coletivo, mesmo diante de desafios políticos ou ideológicos.