POR: Luiz Fernando Ramos Aguiar

Apesar de estarem diariamente expostos nas ruas, realizando abordagens e barreiras, os agentes de trânsito em todo o país enfrentam um dilema: não podem portar instrumentos de autodefesa para garantir sua segurança durante as operações. Essa realidade é fruto da combinação entre políticas desarmamentistas e disputas institucionais. Enquanto políticos e altos servidores das forças de segurança discutem suas teorias, nas ruas os agentes de trânsito permanecem desprotegidos, arriscando suas vidas sem nenhum instrumento que lhes ofereça alguma chance de defesa em caso de necessidade.

A luta dos agentes é antiga. Em 2017, houve um avanço interessante com o Projeto de Lei nº 152/2015, aprovado no Senado em outubro daquele ano. Contudo, a alegria dos profissionais durou pouco. Mesmo com o intenso lobby realizado pela Associação dos Agentes de Trânsito do Brasil (AGT Brasil), a categoria sofreu uma derrota definitiva quando o então presidente da República, Michel Temer, vetou o projeto que alterava o Estatuto do Desarmamento e concedia porte funcional aos agentes. O veto foi mantido pelo Congresso Nacional, colocando fim à aspiração dos profissionais.

Um dos principais argumentos dos que são contra o porte de armas para os agentes de trânsito é o fato de que, apesar de estarem integrados ao sistema de segurança pública, eles não são policiais. Aqui, a situação se agrava, pois grande parte dessa oposição vem de policiais militares e civis, que enxergam na medida uma invasão de competência — uma espécie de disputa pelo monopólio do exercício das atividades de polícia. O contrassenso desse tipo de posicionamento é evidente: em outras pautas, como o ciclo completo de polícia, os mesmos policiais refutam esse argumento quando associações de delegados o utilizam para impedir avanços.

As disputas corporativas têm sido um grave entrave para o progresso das pautas de segurança pública. Essas rivalidades institucionais impedem desde operações conjuntas até o compartilhamento de dados entre corporações, favorecendo o inimigo comum: o crime. Ao tentar proteger suas carreiras e prerrogativas funcionais, muitos policiais acabam fortalecendo seus próprios pesadelos. A vaidade ajuda a agravar um quadro já caótico, como o alarmante índice de morticídios de policiais no Brasil.

Se os agentes de trânsito não podem portar armas para sua defesa, também não deveriam ser escalados para realizar abordagens de trânsito. Na rua, cada abordagem é uma possibilidade de encontro com a morte. O agente que está parando um veículo não pode prever se ali dentro está um cidadão de bem, que irá apresentar seus documentos, uma pessoa sob a influência de álcool ou drogas, ou um criminoso perigoso que acabou de cometer um crime. De qualquer forma, tanto policiais quanto agentes de trânsito não podem realizar abordagens de maneira agressiva, devido à natureza do serviço. Isso, muitas vezes, aumenta o risco a que estão submetidos, pois pode diminuir seu tempo de reação.

A periculosidade da atividade foi reconhecida legalmente em agosto de 2023, quando o presidente da República em exercício, Geraldo Alckmin, sancionou sem vetos a Lei 14.684, que definiu como perigosas as atividades desempenhadas pelos agentes de trânsito.

A nova lei alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT — Decreto-lei 5.452, de 1943) para incluir como perigosas as atividades laborais que exponham de forma permanente o trabalhador a colisões, atropelamentos ou outras espécies de acidentes ou violências no exercício da profissão de agente de trânsito.1

Mesmo assim, os agentes de trânsito permanecem desarmados. Sob a ficção de que mais armas sempre significam mais crimes e violência, nossas autoridades submetem milhares de profissionais ao risco de violência física, sem que eles possuam qualquer forma de defesa. Não raro, motoristas em situação de crime passam pelas barreiras dos agentes de trânsito pelo simples fato de que estes não possuem ferramentas para deter o indivíduo em flagrante. Muitas vezes, esses motoristas acabam provocando acidentes ou cometendo novos crimes, mesmo tendo sido abordados por autoridades públicas.

Não se trata de defender que os agentes de trânsito passem a atuar como policiais, revistando carros à procura de drogas ou perseguindo criminosos em fuga. Trata-se de dotar os profissionais de ferramentas mínimas para executar seu trabalho e impedir que criminosos escapem de um encontro com autoridades do Estado. Infelizmente, a realidade brasileira é extremamente violenta. Nossos índices de homicídios e a presença de facções do crime organizado criam um cenário onde uma simples abordagem para fiscalização de documentos pode desencadear reações violentas e imprevisíveis. Manter nossos agentes desarmados não é apenas negligência; é covardia.

Referências:

  1. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/09/21/sancionada-lei-que-considera-perigosa-a-atividade-de-agentes-de-transito ↩︎