POR: Luiz Fernando Ramos Aguiar
A proposta de emenda à Constituição (PEC) sobre segurança pública, apresentada pelo governo Lula, foi vista por governadores e pela oposição como uma tentativa de centralização do poder pelo governo federal. A medida pode significar uma diminuição da autonomia dos governadores, concedendo ao governo central autoridade para definir políticas e ações no campo da segurança pública. De acordo com a proposta, será definida uma política nacional com poder vinculante, obrigando os governos estaduais a adotar todas as regras impostas no documento. O movimento tem desencadeado uma forte reação da oposição no Congresso, que já batizou a proposta de “PEC da Insegurança Pública.”
A proposta, foi elaborada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, em colaboração com o secretário nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubbo. O governo defende que se trata de uma estratégia para fortalecer a cooperação entre os estados e o governo federal, sem interferir nas competências estaduais. Em declarações à imprensa, Lewandowski ressaltou que a PEC visa aprimorar a segurança pública em âmbito nacional, respeitando a autonomia dos governadores.
O problema é que uma leitura da proposta mostra que as intenções vão muito além do que tem sido propagado pelas autoridades governamentais na imprensa. Entre as inovações está a transformação da Polícia Rodoviária Federal em uma espécie de PM nacional, sob o comando do governo federal. Além de enfraquecer o patrulhamento das rodovias, principal rota de entrada de armas e drogas no país, teme-se que essa nova força se transforme em uma espécie de guarda pretoriana, uma ferramenta de imposição da autoridade federal sobre os estados.
A PEC também amplia as atribuições da Polícia Federal, dando à corporação missões na proteção de ativos ambientais, como matas, florestas, áreas de preservação e unidades de conservação. Além disso, centraliza o combate ao crime organizado na PF, o que retiraria dos estados a competência para realizar esse enfrentamento. Nesse ponto, é importante lembrar que um dos fatores mais importantes das facções criminosas é sua atuação descentralizada e ágil, o que torna as quadrilhas adaptadas e específicas às realidades locais. Uma maior centralização tende a burocratizar as ações e diminuir a velocidade da resposta das forças de segurança, além do fato de que o atual efetivo da Polícia Federal não teria condições de absorver toda a demanda resultante dessas mudanças.
O contra-ataque da oposição veio por meio de um projeto alternativo, que defende o fortalecimento das parcerias entre os estados, sem ampliar as atribuições das polícias federais. Elaborado pelos deputados Alfredo Gaspar (União-AL) e Alberto Fraga (PL-DF), o projeto busca instituir um modelo de colaboração entre as polícias estaduais e o governo federal, coordenado por um colegiado interinstitucional.
De acordo com o Deputado Alberto Fraga “A PEC não traz inovação. Ela representa uma intervenção federal nas forças estaduais, ampliando os poderes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) sem que esta tenha o efetivo necessário. Vamos nos posicionar contra”. O parlamentar é presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, a famosa “bancada da bala”.
Autonomia dos estados e Combate ao Crime Organizado
A proposta da oposição também inclui novos conceitos para crimes de alto impacto, como tráfico de drogas e de pessoas, controle de territórios e financiamento ao terrorismo, que passariam a ser categorizados como crimes de organizações transnacionais, com penas que podem chegar a 40 anos de reclusão.
A lei seria um golpe direto nessas modalidades criminais, que atualmente não estão expressamente tipificadas em uma classe específica de crime. O agravamento das penas pode ser uma estratégia adequada para diminuir os impactos das políticas de desencarceramento e das progressões precoces de pena, que têm gerado um sentimento generalizado de impunidade entre os membros das organizações criminosas e alimentado a reincidência.
O senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado, elogiou o projeto alternativo como “mais vantajoso” do que o texto proposto pelo governo federal. Para Marinho, o modelo sugerido pela oposição proporciona mais autonomia aos estados e evita a concentração de poder nas mãos do governo federal.
Enquanto isso, o governo Lula ainda busca apoio para a PEC da Segurança. Nesse sentido, iniciou uma ampla consulta aos governadores e prefeitos, procurando ajustar os detalhes do texto às necessidades regionais. Após meses de análise na Casa Civil, a proposta foi tornada pública e apresentada aos governadores como parte de uma estratégia para criar consenso antes de sua submissão ao Congresso. O sucesso ou fracasso da PEC dependerá da capacidade do governo de conquistar o apoio dos chefes dos executivos estaduais.
Governadores e o Conselho da Federação
O diálogo entre estados e o governo federal será articulado pelo Conselho da Federação, criado por Lula em abril de 2023. Nas próximas semanas, representantes dos governos estaduais e municipais devem se reunir com o secretário-executivo do Conselho, Rafael Bruxellas, para discutir o cronograma de ação da PEC.
Governadores do Nordeste, em reunião virtual pelo Consórcio do Nordeste, vão deliberar sobre uma resposta conjunta ao projeto. Governadores de outras regiões já se comprometeram a enviar suas posições após o encontro inicial no Palácio do Planalto. Segundo Lewandowski, “não há um prazo fixo para aprovação; vamos ouvir governadores, secretários de segurança, a sociedade civil e a academia para amadurecer o texto”, afirmou ele em entrevista à GloboNews.
Demandas dos Estados por Maior Autonomia na Legislação Penal
Outra medida, que objetiva o fortalecimento dos governos estaduais. é a proposta de lei complementar 215/2019. O projeto foi apresentado discretamente na Câmara dos Deputados, definindo que os estados possam alterar a legislação penal em alguns crimes. Caso aprovado, o projeto dará mais autonomia aos estados para tipificar e endurecer penas, uma demanda expressa por governadores em reunião com o presidente Lula.
Mesmo alguns líderes da esquerda, como Renato Casagrande do PSB, defendem a autonomia dos estados para alterar as leis penais estaduais. “O Congresso cria as leis, mas os estados assumem os custos”, declarou Casagrande, ecoando uma preocupação compartilhada entre os chefes estaduais.
Oposição das ONGs
A Rede Justiça Criminal, defensora do desencarceramento e que tem entre seus apoiadores a Oak Foundation e a Open Society Foundations, tenta convencer parlamentares de que a concessão de mais autonomia aos estados representa um risco, especialmente nas propostas de legislação penal e sobre armas. Janine Salles de Carvalho, coordenadora da Rede, argumenta que:
“o conservadorismo está forte nos estados, usando o discurso de autonomia para implementar pautas que fragilizam o sistema federativo.”
O argumento é um verdadeiro contrassenso, já que o princípio de uma federação reside exatamente na autonomia dos estados em relação ao poder central. Na verdade, o lobby desse tipo de entidade nos dá uma pista dos interesses ideológicos e dos grupos políticos por trás da PEC da Segurança, sugerindo que realmente existe o objetivo de fortalecer o governo federal em detrimento dos entes federados.
A PEC da Segurança é um ponto de inflexão para a democracia brasileira, indo muito além das questões relativas ao combate ao crime organizado e à manutenção da segurança pública. Trata-se de uma encruzilhada que pode definir se nosso país irá abraçar o caminho do fortalecimento federativo ou adotar a estrada da centralização do poder nas mãos de um governo central.



