POR: Luiz Fernando Ramos Aguiar

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, apresentada pelo governo federal, tem gerado intensas discussões entre governadores e autoridades. Apresentada na última quinta-feira, a PEC conta com o apoio “integral” do procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, enquanto encontra resistência de alguns líderes estaduais.

O principal receio dos governadores é que suas políticas e decisões na esfera da segurança pública fiquem limitadas pela concentração de poder na esfera federal. Para os governadores contrários à proposta, a medida significa uma diminuição na autonomia dos estados em legislar e adotar medidas para garantir a segurança de seus territórios, permitindo que o governo federal tenha ingerência direta em suas forças de segurança.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que o texto será enviado ao Congresso até o fim do ano, mas enfatizou a necessidade de debates abrangentes. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, destacou a relevância do apoio de Gonet ao projeto, considerando-o um “gol antecipado” em meio ao cenário de negociações.

Paulo Gonet – Procurador Geral da República

A verdade é que o apoio do procurador-geral da República tem uma importância muito mais simbólica do que efetiva, dadas as dificuldades de aprovação de uma PEC no Congresso Nacional. Para que a proposta entre em vigor, ela precisa ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça para análise de admissibilidade. Caso seja admitida, a PEC segue para a Comissão Especial, onde pode receber emendas. Depois, precisa ser aprovada em dois turnos de votação e, em cada turno, por pelo menos 3/5 dos membros do Congresso Nacional. Por fim, a proposta volta à Comissão Especial para redação final, que é votada no plenário novamente.

Posições Divergentes dos Governadores

O apoio de Gonet à PEC é sólido, mas alguns governadores, como Ronaldo Caiado, de Goiás, manifestaram oposição a determinados aspectos da política de segurança. Caiado criticou a implementação de câmeras corporais em policiais, afirmando que “não existe a hipótese de colocar câmera em policial meu”. Para ele, a fiscalização deve ser feita por meio de corregedorias sérias, sem comprometer a autonomia das forças policiais estaduais.

Ronaldo Caiado – Governador de Goiás

A preocupação do governador de Goiás é válida, já que a PEC determina a implementação de uma Política Nacional de Segurança Pública de execução obrigatória pelos estados, o que permitiria ao governo federal, entre outras coisas, determinar procedimentos e protocolos operacionais que poderiam incluir o uso de equipamentos específicos.

Por outro lado, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, vê a PEC como uma iniciativa promissora, desde que passe por ajustes. “A iniciativa é bem-vinda, mas não é um produto final. Vamos construir em conjunto, ouvindo os governadores para integrar as demandas”, afirmou Tarcísio. Ele também pontuou a necessidade de foco no combate ao crime organizado e sugeriu revisões em medidas como as audiências de custódia para oferecer mais segurança jurídica aos agentes públicos.

Tarcísio de Freitas – Governador de São Paulo

O apoio do governador de São Paulo à PEC parece uma decisão contraditória em razão dos rumos adotados pelo estado no combate ao crime organizado e na manutenção da segurança pública. Caso a medida já estivesse em curso, dificilmente veríamos as políticas adotadas pelo atual secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, em funcionamento. Afinal, toda a política do estado estaria vinculada a um plano nacional, desenvolvido em Brasília, o que acaba burocratizando os processos e afastando as políticas públicas da realidade específica de cada região.

Objetivos e Propostas da PEC

A PEC tem como objetivo transformar a Polícia Rodoviária Federal (PRF) em uma força ostensiva federal, responsável por atuar em rodovias, ferrovias e hidrovias, além de prestar suporte aos estados, quando solicitado. O ministro Lewandowski justificou a proposta pela ausência de simetria entre as competências da União e dos estados: enquanto estes possuem forças ostensivas e judiciárias, a União conta apenas com a Polícia Federal para operações.

O que em tese parece ser uma falha no sistema de segurança pública é, na verdade, um sistema de controle do poder da União sobre os entes federados. Uma força policial de atuação nacional inevitavelmente leva à concentração de poder no governo federal. Aliada à vinculação e obrigatoriedade dos estados em cumprir um plano nacional, forma-se um ambiente que pode catalisar uma escalada autoritária. Um cenário tentador para qualquer governante que pretenda ampliar sua permanência no poder.

Além da estrutura da PRF, a PEC propõe a criação de um sistema único de segurança pública, similar ao SUS na área de saúde, buscando centralizar e estabilizar os investimentos na área. Para isso, a proposta prevê alterações em vários artigos da Constituição, incluindo a unificação dos fundos nacionais de segurança e políticas penitenciárias, visando garantir que os recursos destinados não sejam contingenciados, isto é, bloqueados para outros fins.

Apesar de o modelo do SUS ser frequentemente elogiado como efetivo e funcional, a verdade é que muitos defensores do sistema não utilizam os serviços oferecidos por ele. Isso levanta a questão de se o modelo será adequado para o complexo cenário da segurança pública no país.

Fundo Nacional de Segurança Pública: Garantia de Recursos

Outro ponto central da PEC é a criação de um fundo unificado de segurança pública e política penitenciária, com a vedação ao contingenciamento dos recursos. A proposta visa garantir a aplicação contínua em áreas essenciais, como capacitação de pessoal, aquisição de equipamentos e integração de programas de segurança.

Segundo o governo, a medida ajudaria a estabilizar o sistema de segurança pública, assegurando investimentos constantes e obrigatórios, o que fortaleceria as ações preventivas e repressivas contra atividades criminosas. A constitucionalização do fundo é vista como essencial para proporcionar uma fonte de recursos segura e destinada exclusivamente às políticas de segurança e defesa social.